SÃO PAULO – Na semana passada, o Órgão de Resolução de Disputas da OMC (Organização Mundial do Comércio) divulgou o laudo do painel que apreciou a questão levada pela UE (União Européia) contra o Brasil a respeito da vedação à importação de pneus usados (WT/DS332/R). O resultado representa uma completa e fragorosa derrota brasileira a trazer importantes lições para o futuro.
Em primeiro lugar, desde a ratificação dos chamados Acordos de Marraqueche, que inter alia criaram a OMC, um número enorme de ações governamentais dos Estados membros do organismo multilateral está sujeito a um balizamento jurídico internacional. Para além das tarifas, o universo compreende políticas de investimento e desenvolvimento, propriedade intelectual e serviços, dentre outras.
Acresce que, no Brasil, pouca ou quase nenhuma atenção se dá à regulamentação multilateral ao se formular as políticas públicas, o que abre uma vulnerabilidade ao questionamento no âmbito do sistema de resolução de disputas da OMC, pelos Estados que se julgam prejudicados. Veja-se, por exemplo, a recentemente anunciada política de mudança dos critérios tarifários para o setor têxtil.
O caso dos pneus é típico do descaso ao ordenamento jurídico multilateral e de um favorecimento político, mas não jurídico, aos parceiros do Mercosul, e de uma falta de sintonia tanto dentro do Poder Executivo brasileiro, como entre este e o Judiciário.
Assim, o Brasil proibiu a emissão de licenças de importação de pneus recauchutados mediante a Portaria Seces 14/04 e a Portaria Decex 8/91. Acresce que o Estado do Rio Grande do Sul também impôs restrições ao comércio de pneus usados e recauchutados através da Lei 12.114, alterada pela Lei 12.381.
Todas essas medidas foram julgadas inconsistentes com a ordem jurídica multilateral, como também a exceção feita aos parceiros do Mercosul. Apenas escapou à condenação a Resolução Conama (Conselho Nacional do Meio Ambiente) 258/99, que estabelece critérios para a dispersão de pneus recauchutados importados.
A decisão do painel, de acordo com as regras do Entendimento sobre a Resolução de Disputas da OMC, está sujeita ao duplo grau de jurisdição, o que permitirá ao Brasil, querendo, apelar da decisão sobre questões de direito. O órgão de apelação da OMC tem amplos poderes de reforma do laudo em questão.
Como já ocorreu em inúmeros outros casos, notadamente nas chamadas disputas aeronáuticas com o Canadá, o Itamaraty apresentou à opinião pública nacional o resultado da questão dos pneus como mais uma vitória da diplomacia brasileira ou, na pior das hipóteses, como um empate.
Ao pretender sustentar o mito de sua eficiência nas questões multilaterais, o Ministério das Relações Exteriores presta um grande desserviço ao Brasil, ao deixar de apontar a necessidade de uma maior atenção às regras multilaterais na formulação de políticas públicas, bem como de sublinhar a conveniência de uma coordenação dessas questões dentre os diversos setores governamentais e entre os Poderes da Federação.
Carta
A respeito de meu texto “A quebra de patentes da Merck pelo Brasil sob o regime do Trips”, publicado no dia 9 de maio, recebi carta de João Sanches, diretor de assuntos corporativos da Merck Sharp & Dohme Brasil.
Leia a resposta da Merck aqui.
Advogado admitido no Brasil, Inglaterra e Gales e Portugal. Formou-se em direito pela PUC-SP em 1975. Árbitro do GATT (General Agreement on Tariffs and Trade) e da OMC (Organização Mundial do Comércio), e professor de direito do comércio internacional na pós-graduação da Universidade Cândido Mendes (RJ).