São Paulo – O fascismo foi o regime político italiano de maior gestação e formulação nativa. Mussolini o definiu, na Enciclopédia Italiana de 1932, como o “regime de um partido que governa totalitariamente uma nação”, ou todos os aspectos da vida civil, com exclusão de toda e qualquer outra força. A herança espúria desse regime de triste memória projeta até hoje suas sombras na vida dos italianos, particularmente na área econômica.
De fato, o corporativismo, a autarquia, o protecionismo agrário e industrial, a legislação trabalhista, a política para o sul do país e a de obras públicas caracterizaram a atuação do Estado fascista italiano. Tais políticas tiveram também uma influência internacional, haja vista a transposição da legislação trabalhista e a de organização empresarial corporativista e autárquica para o Brasil, dentre outros países, onde até hoje se faz desgraçadamente sentir.
Como bem sabemos no Brasil, a necessária remoção de tal entulho do ordenamento jurídico doméstico encontra forte oposição dos interesses beneficiados pelos privilégios concedidos. Na Itália, o governo Prodi, de centro-esquerda, propôs um modesto projeto de remoção de alguns poucos de tais privilégios que beneficiavam extraordinariamente alguns setores como os advogados, os motoristas de táxi, os farmacêuticos, os notários, os bancos e os padeiros.
Apesar da enorme resistência oposta à iniciativa, foi a lei correspondente aprovada no dia 2 de agosto próximo passado pelo Parlamento italiano. Na advocacia, foi abolida a tabela dos honorários mínimos de advogados, que equiparava os melhores aos piores, dificultava a livre competição e prejudicava aos consumidores. Ainda com referência à advocacia, foram legalizados os honorários de sucesso. No tocante aos notários, foi abolida a necessidade de escritura pública e assistência notarial, remunerada fartamente, para a venda de carros de segunda mão, barcos ou motocicletas.
Aos bancos foi tolhida a faculdade de cobrar uma taxa aos clientes que fechassem suas contas correntes. As cartas-patentes dos taxistas foram liberalizadas, permitindo um maior acesso à profissão, que irá repercutir numa maior oferta dos serviços respectivos, a qual hoje é proporcionalmente uma das menores no mundo. Por sua vez, remédios de balcão, que não requerem receitas médicas, poderão ser vendidos em supermercados.
A iniciativa do governo Prodi teve inegáveis méritos e contribuirá expressivamente para a melhoria dos serviços italianos aos consumidores locais e internacionais, bem como para uma maior competitividade internacional dos provedores peninsulares. Em realidade, tendo em vista a enorme força deletéria da herança fascista, as alterações são ainda modestas, já que muito ainda permanece a ser feito.
Esse aggiornamento não se deve confundir com as oportunistas reformas de liberalização preconizadas pelo governo de Tony Blair, no Reino Unido, e que envolvem a descaracterização da natureza das profissões regulamentadas, como as legais.
A louvável ação do governo Prodi deve servir de estímulo para o governo do Brasil, no sentido de remover alguns dos privilégios indevidos ainda hoje existentes em nosso ordenamento jurídico e que prejudicam aos consumidores, aumentam o custo operacional no país e impactam de maneira adversa nossa competitividade internacional.
Advogado admitido no Brasil, Inglaterra e Gales e Portugal. Formou-se em direito pela PUC-SP em 1975. Árbitro do GATT (General Agreement on Tariffs and Trade) e da OMC (Organização Mundial do Comércio), e professor de direito do comércio internacional na pós-graduação da Universidade Cândido Mendes (RJ).