Brasília –No final da semana passada, imediatamente antes do feriado islâmico, Eid al-Adha, a jornada do sacrifício, o governo dos EAU (Emirados Árabes Unidos) declarou formalmente a insolvência da empresa estatal Dubai World, ao requerer uma moratória de 6 meses aos seus credores, com relação a créditos de aproximadamente US$ 59 bilhões. O governo de Dubai deve ainda mais US$ 21 bilhões que não estão, neste momento, ainda afetados pela moratória unilateral.
O rompimento da bolha creditícia pôs fim a uma enorme extravagância praticada pelos governantes dos EAU, uma monarquia absoluta que impõe um regime repressivo, violador sistemático dos mais fundamentais direitos humanos, e que se esconde atrás das frivolidades de uma ilha da fantasia dotada de desenvolvimento material artificial desprovida de qualquer substância humanística.
Os EAU tornaram-se independentes do Reino Unido em 1971, data em que foi promulgada sua constituição. O país é uma federação de 7 emirados, dentre os quais Abu Dhabi, a capital, e Dubai. O poder executivo é formado por um Conselho Federal Supremo composto pelos 7 emires, o qual elege o presidente hereditário (sic), sempre o emir de Abu Dhabi, e o primeiro ministro hereditário (sic), sempre o emir de Dubai. O poder legislativo tem 40 membros, metade dos quais é nomeada diretamente pelos emires e a outra metade de forma indireta.
Como tudo o que é feito nos EAU desde o século 19, também a sua formatação política teve a inspiração oficial britânica, que buscou o continuado controle da exploração daquela que é hoje a sexta maior reserva de petróleo do mundo, situada em Abu Dhabi. Igualmente, a fantasiosa e desmedida construção do centro de serviços em Dubai teve o apoio dos setores público e privado do Reino Unido.
Buscava o setor privado britânico, apoiado pelo seu governo como sempre sucede há mais de dois séculos, a criação de mercados para os seus bancos; tomadores para os seus empréstimos, que seriam garantidos pela riqueza do petróleo; e clientes para os seus consultores financeiros, arquitetos, auditores, advogados e outros provedores de serviços dependentes de negócios no exterior, devido ao pequeno volume relativo do mercado interno no Reino Unido.
Pois bem, os bancos britânicos têm hoje uma exposição em Dubai de mais de US$ 31 bilhões, num momento em que o setor bancário do país encontra-se bastante combalido, apesar das injeções de subsídios governamentais diretos no mercado financeiro da ordem de 50% do PIB britânico, apenas em 2009. As quedas nas bolsas de valores de Dubai e Abu Dhabi, com vendas dos fundos internacionais, devem ainda afetar mais profundamente o balanço das instituições britânicas.
A situação torna-se ainda mais preocupante em seu potencial de perdas ao se ponderar que o pedido de moratória de Dubai foi feito apesar da existência do fundo soberano de Abu Dhabi, que tem ativos declarados de US$ 700 bilhões. Assim, ou Abu Dhabi não pode socorrer Dubai, o que indica uma falta de liquidez, ou não o quis, o que demonstra uma crise política federativa nos EAU.
Mais ainda, diversos projetos já iniciados por Dubai, mas com conclusão prevista para após 2010, como aquele das 7 ilhas artificiais com teatro de ópera com um custo orçado de US$ 17.7 bilhões, ou aquele da Cidade Festival, com custo programado de US$ 15 bilhões, encontram-se hoje ameaçados. Sua inconclusão poderá agravar mais o quadro.
A presente tempestade creditícia em Dubai é mais uma faceta da crise financeira global e da irresponsabilidade dos agentes bancários.
Lawyer admitted in Brazil, England and Wales and Portugal. GATT and WTO panelist. Brazilian government ad-hoc representative for the Uruguay Round of the GATT. Post-graduation professor of the law of international trade.