"A economia digital será a base do desenvolvimento sustentável e a principal fonte de geração de riqueza das nações no século 21". É com esse entendimento que a Câmara.e-net (Câmara Brasileira de Comércio Eletrônico), fundada em maio de 2001, tem atuado nesses quase seis anos para "capacitar indivíduos e organizações para a prática segura dos negócios eletrônicos".
Com o objetivo de fortalecer o comércio eletrônico, considerado como estratégico para o desenvolvimento econômico e do conhecimento no mundo, a Câmara.e-net ganhou recentemente a experiência e engajamento da advogada Carolina Monteiro de Carvalho. Sócia do escritório Noronha Advogados e integrante da equipe que atuou na defesa da Google, Carolina Carvalho foi nomeada no final de fevereiro para coordenar os trabalhos do Comitê de Negociações Internacionais da câmara.
Em entrevista realizada por e-mail, a nova coordenadora da entidade diz que a regulamentação do comércio eletrônico está dispersa no Congresso Nacional, em cinco projetos de lei diferentes. "A falta de uma legislação apropriada e atual, capaz de impor ordem aos ambientes eletrônicos, inibe a expansão do comércio", diz.
Para ela, o Novo Código Civil, mesmo não tratando expressamente do meio digital, aborda a informatização de maneira indireta em um ambiente carente de uma legislação específica e abrangente. "As empresas buscam proteger-se e criar um certo nível de segurança para si e para os seus consumidores, adotando certificados digitais em seus sítios, a exemplo do que já fazem os bancos e as principais lojas virtuais", afirma.
Como desafio ao seu trabalho da Câmara.e-net, a advogada cita o trabalho de "acelerar o desenvolvimento do comércio eletrônico no Brasil".
Leia abaixo a entrevista:
Última Instância: Cada vez mais freqüente, o comércio eletrônico ainda esbarra na falta de legislação que trate das questões ligadas à Internet. É possível fixar um prazo para isso mudar?
Carolina Monteiro de Carvalho: Atualmente, o Brasil não possui uma lei que verse especificamente sobre o valor probante do documento eletrônico, a assinatura digital, a certificação digital, nem tampouco sobre o comercio eletrônico. A normativa que regulamenta o comércio eletrônico é uma compilação de cinco projetos de lei que, hoje, encontram-se apensados, da seguinte forma:
– Projetos de Lei 6.965/02, 7.093/02 e 1.483/99, apensados ao Projeto de Lei 4.906/01.
– Projeto de Lei 1589/99, apensado ao Projeto de Lei 1.483/99, acima mencionado.
São todos eles baseados na Lei Modelo da UNCITRAL, organismo das Nações Unidas para o comércio internacional. Referidos projetos já estão bastante avançados na tramitação e dispõem de maneira genérica sobre regras do comércio eletrônico, validade de documentos e transações eletrônicas e assinatura digital. No entanto, é muito difícil fixar um prazo para a entrada em vigor de um corpo normativo que não apenas valide o contrato eletrônico juridicamente, mas que possa dar segurança aos contraentes e aos negócios firmados.
Última Instância: Que marcos e avanços recentes a sra. destacaria na legislação para o meio eletrônico?
Carolina Monteiro: Atualmente, encontra-se em vigor a Medida Provisória 2.200/01, porém não trata da contratação eletrônica. Ela apenas instituiu a infra-estrutura de chaves públicas brasileira, além de fazer breve referência a alguns institutos do direito da informática que serão objeto de definição na futura Lei do Comércio Eletrônico. Portanto, uma coisa é regulamentar a contratação no comércio eletrônico, outra é criar a infra-estrutura de chaves públicas e definir órgãos reguladores e gestores da atividade de certificação. Podemos citar, também, o Novo Código Civil, que, apesar de não versar expressamente sobre o assunto, admitiu em seus dispositivos "de maneira indireta", notadamente nos artigos 428, I e 434, a contratação na forma eletrônica, seja entre ausentes ou entre presentes. Ocorre que, embora tenha concedido essa admissão em princípio, pecou, o legislador, em não dispor sobre a validade jurídica e o valor probante do documento eletrônico e a necessária regulamentação sobre a assinatura digital e a certificação digital, pois torna-se imprescindível um conjunto de normas sobre segurança para que seja possível uma completa sistematização para as transações do comércio eletrônico.
Última Instância: Que dificuldades já foram superadas, mesmo com legislação inexistente?
Carolina Monteiro: Em razão da ausência de legislação específica tratando de comércio eletrônico, a doutrina vem enfrentando a realidade e investigando a legalidade da prática de atos realizados através dos meios eletrônicos, bem como fornecendo definições a diversos institutos ligados aos contratos eletrônicos. Podemos citar, ainda, que o Novo Código Civil, apesar de não ter inserido expressamente a forma eletrônica de contratação em nosso ordenamento jurídico, o fez de forma indireta, envolvendo as situações em que as partes estão presentes, assim como aquelas em que estão ausentes. Um avanço diz respeito à ampliação da noção de contratos entre presentes, pois o Novo Código Civil equiparou ao telefone, como meio de comunicação para a formação contratual, outros meios de comunicação a estes assemelhados (artigo 428, I). Outro avanço foi a substituição da noção de contrato epistolar, contida no caput do artigo 1.086 do Código Civil de 1916, pela de contratos entre ausentes (artigo 434, caput), tendo sido, portanto, ampliada. O Novo Código Civil também incorporou expressamente princípios contratuais como os da função social do contrato e da boa fé objetiva, por influencia do contexto social em que se inseriu o direito das relações de consumo, como os princípios da interpretação mais favorável ao aderente e da nulidade das cláusulas que estipulam a renúncia antecipada do aderente a direito resultante da natureza do negócio. Verifica-se, assim, que, embora o Novo Código Civil, no âmbito dos contratos eletrônicos, representa um indubitável avanço. Por fim, não podemos deixar de citar que as empresas comprometidas com a credibilidade e a evolução do comércio eletrônico tomam a dianteira no que diz respeito à adoção de dispositivos de segurança, de perfeita incorporação dos princípios ditados pelo CDC às suas homepages.
Última Instância: Se dentro do país não há legislação nem jurisprudência consolidada, como são superadas as dificuldades jurídicas no comércio internacional?
Carolina Monteiro: Devido à falta de regulamentação legal, as empresas buscam proteger-se e criar um certo nível de segurança para si e para os seus consumidores, adotando certificados digitais em seus sítios, a exemplo do que já fazem os bancos e as principais lojas virtuais. Ademais, o próprio mercado já opera uma espécie de processo de seleção natural, separando o joio do trigo, os maus dos bons comerciantes. Além disso, tendo em vista as lacunas deixadas pelo legislador, o que se verifica atualmente é que os juízes vêm tentando cumprir sua função social, enfrentando as situações novas, por vezes utilizando-se de analogia ou valendo-se dos princípios universais de direito. Ademais, em contratos internacionais, as partes costumam eleger um tribunal arbitral para a solução de eventuais contendas, bem como as leis aplicáveis à relação.
Última Instância: Quais os maiores desafios em sua participação na Câmara.e-net? E no Comitê de Negociações Internacionais?
Carolina Monteiro: A minha participação no comitê visa melhor compreender e acelerar o desenvolvimento do comércio eletrônico no Brasil, bem como a elaboração de projetos e recomendações que resultem em aperfeiçoamento de normas e da legislação, na adoção de padrões técnicos etc.
Última Instância: Quais os maiores entraves ao avanço do comércio eletrônico em âmbito internacional?
Carolina Monteiro: A falta de uma legislação apropriada e atual, capaz de impor ordem aos ambientes eletrônicos, inibe a expansão do comércio. Ainda, a insegurança nas transações realizadas por meios eletrônicos pode ser citada como o principal entrave ao desenvolvimento do comércio eletrônico. Outros entraves ao desenvolvimento ao comércio eletrônico em âmbito internacional são os problemas relacionados à lei aplicável ao contrato e do foro competente para julgamento de eventual litígio envolvendo partes em nações diferentes. É por essa razão, aliás, que, atualmente, a fim de evitar possíveis litígios acerca da lei aplicável ao contrato e do foro competente para julgamento, o fornecedor de produtos e serviços na Internet vem criando obstáculos que inviabilizam a formação de contratos com consumidores residentes em países distintos daquele onde se encontra estabelecido o fornecedor do produto e/ou serviço. Impõe-se a aprovação do Projeto de Lei de Comércio Eletrônico, pois ele visa o estabelecimento da contratação de forma segura. Contudo, enquanto isso não ocorrer, o ordenamento jurídico pátrio não deixa ao desamparo quem optar pela contratação por intermédio dos meios eletrônicos.