São Paulo – O Ministério das Relações Exteriores, através de sua missão junto a União Européia, fez publicar em Bruxelas, na última sexta-feira, um edital de licitação para a contratação de “serviços de escritório de advocacia” (sic) para assistir ao Governo brasileiro na participação em processos contenciosos no âmbito da OMC (Organização Mundial do Comércio).
Segundo o referido edital, os serviços de advocacia contratados serão prestados “sem prejuízo da atribuição institucional da Advocacia-Geral da União, que atuará integrada à equipe formada para acompanhamento de cada contencioso perante a OMC”. A coordenação da atuação do Governo brasileiro nos contenciosos da OMC caberá, contudo, ao Itamaraty.
Como requisito principal para a contratação, de importância estratégica para o Brasil, o edital estabelece a necessidade de terem os escritórios gabinetes próprios regular e formalmente estabelecidos em Bruxelas (com pelo menos 5 advogados na área de comércio internacional) e em Washington D.C. (com pelo menos 15 advogados na área de comércio internacional), nos últimos dois anos.
Observe-se, a princípio, que os serviços de advocacia são prestados por advogados e não por escritórios, já que são apenas os indivíduos aqueles licenciados para o exercício da profissão, como ocorre no mundo todo e como definido nos Princípios Básicos para o Papel dos Advogados, aprovados pela Assembléia Geral das Nações Unidas em 1990.
Assim, os critérios de competência técnica devem ser exigidos dos indivíduos e não da pessoa jurídica, que não exerce a advocacia. Ademais, a exigência geográfica de manutenção de escritórios em Washington D.C. e em Bruxelas é de causar estupefação, já que a capital do Brasil está situada, como é sabido, em Brasília.
Lembre-se, ainda, que a sede da OMC está situada em Genebra, na Suíça, onde correm os casos afetos ao sistema de resolução de disputas daquele organismo multilateral.
Acresce que a legislação brasileira de regência das licitações públicas (Lei 8666/91) veda a previsão de cláusulas ou condições que “estabeleçam preferências ou distinções em razão da naturalidade, da sede ou domicílio dos licitantes ou de qualquer circunstância impertinente ou irrelevante para o específico objeto do contrato” (artigo 3º. 1, I).
De mais a mais, a lei brasileira veda ainda a exigência de comprovação de atividade ou aptidão, com limitações de tempo ou de época ou anda em locais específicos (artigo 30, 5). Esse requisito serve para assegurar a manutenção do critério da impessoalidade exigido pelo artigo 37 da Constituição Federal, juntamente com a observância dos princípios da legalidade, moralidade, publicidade e eficiência.
A formulação de requisitos disparatados tem o primeiro efeito de diminuir a competição. De fato, são menos de 10 os escritórios, todos americanos, em princípio a atender às exigências ilegais elencadas no edital. A segunda conseqüência será naturalmente a do aumento do preço.
De resto, resta claro que o interesse público sai prejudicado por diversos motivos, dentre os quais a própria capacitação dos eventuais provedores de serviços, e a ordem jurídica brasileira violada como resultado do processo licitatório viciado.
Advogado admitido no Brasil, Inglaterra e Gales e Portugal. Formou-se em direito pela PUC-SP em 1975. Árbitro do GATT (General Agreement on Tariffs and Trade) e da OMC (Organização Mundial do Comércio), e professor de direito do comércio internacional na pós-graduação da Universidade Cândido Mendes (RJ).