SÃO PAULO – O Acordo de Livre Comércio da América do Norte, mais conhecido pelo acrônimo derivado do nome em língua inglesa, Nafta, foi assinado entre o Canadá, os Estados Unidos da América e o México, em 7 de outubro de 1992, mas só entrou em vigor em 1º de janeiro de 1994. O processo da respectiva ratificação nos EUA foi difícil, tendo inclusive implicado em declaração, pela apósita legislação de implementação, da inferioridade hierárquica das normas do tratado perante o ordenamento jurídico federal de direito interno daquele país.
O Nafta foi negociado, pelo México, pela corrupta e incompetente administração de Salinas de Gortari que, nas palavras insuspeitas de Fred C. Bergsten, caracterizou-se por tudo aceitar e nada exigir. Nas negociações respectivas, os americanos impuseram a abertura do mercado de serviços do México, enquanto mantiveram o seu fechado por meio de barreiras horizontais. No setor agrícola, o México aceitou a manutenção do escandaloso programa de subsídios dos EUA, muitas vezes maior do que a sua própria produção rural.
Por último, no setor industrial, o México aceitou a insana e grotesca situação de fabricante de bens de baixo valor agregado, ou seja, a bizarra política fundada na lógica de que, quanto maior a miséria do povo do país, maior também é a sua competitividade internacional.
Observe-se que foi essa mesma agenda do Nafta que os EUA transplantaram para o seu projeto de Alca (Área de Livre Comércio das Américas), sepultada no monte de lixo da História, por ocasião da cúpula realizada em Mar del Plata, semanas atrás.
O povo mexicano pagou um alto preço pela vezania de seus líderes. Nos dez anos que se seguiram à assinatura do Nafta, a concentração do comércio do país com os EUA aumentou para cerca de 90% de suas trocas globais. O país tornou-se um grande importador, para agregar muito pouco, o que gera déficits sistêmicos da balança comercial e do balanço de pagamentos.
O sistema financeiro mexicano foi desnacionalizado, o que impede o país de realizar política monetária. Seu setor de serviços perdeu a competitividade internacional. O setor agrícola do país foi trucidado pelos subsídios, inclusive na área açucareira, grande empregadora de mão de obra rural.
Os salários industriais caíram pela metade, para manter a competitividade das chamadas empresas maquiladoras, situação agravada após a acessão da China à OMC (Organização Mundial do Comércio). Aumentou a emigração, inclusive ilegal, dos cidadãos mexicanos, desesperados pela triste sorte imposta pelo iníquo pacto. As remessas dos emigrantes mexicanos de sua diáspora chegaram a US$ 18 bilhões em 2004, segundo dados do FMI (Fundo Monetário Internacional), superando inclusive o valor dos investimentos estrangeiros no período, de US$ 14 bilhões, segundo a mesma fonte.
Reagindo a tal situação, com o objetivo de confinar a miséria e a desesperança ao território nacional mexicano, a Câmara dos Representantes dos EUA aprovou, na semana passada a criação da infame cortina de ferro do Nafta, ao longo de 1,1 mil dos 3,2 mil quilômetros de fronteira entre os dois países. Tal muro da vergonha será físico e também composto de petrechos de vigilância eletrônica.
Mais ainda, o respectivo projeto de lei, aprovado por vasta maioria, requer um estudo sobre uma barreira semelhante com o Canadá (sic). Por outro lado, a lei aprova a mobilização das forças armadas dos EUA, sabidamente as mais poderosas do mundo, para combater a miséria mediante a caça aos desesperados imigrantes ilegais, suas mulheres e filhos. Por último, a legislação torna crime viver ilegalmente nos EUA e também sanciona os empregadores de mão de obra ilegal.
A Lei do Muro da Infâmia é não apenas a clara demonstração da real qualidade dos EUA como parceiro econômico e político, como também uma peça legislativa que envergonha o país e a Humanidade. Cabe ao governo do México urgentemente reavaliar os termos do Nafta.
Advogado admitido no Brasil, Inglaterra e Gales e Portugal. Formou-se em direito pela PUC-SP em 1975. Árbitro do GATT (General Agreement on Tariffs and Trade) e da OMC (Organização Mundial do Comércio), e professor de direito do comércio internacional na pós-graduação da Universidade Cândido Mendes (RJ).