Prefácio para o livro “Coração Insano – crônicas corintianas”, da escritora Merli Diniz, 08 de junho de 2019, São Paulo, Brasil.

Numa ocasião, o grande médico brasileiro, o Professor Doutor H. Delboni Filho pontificava prazerosamente entre seus colegas docentes e alunos da faculdade de medicina a respeito de sua terra natal, São José do Rio Preto. Dizia ele: “é a capital do mundo e o berço da civilização”, sem mover um músculo facial, exatamente porque desejava transmitir a sólida impressão de extrema seriedade na precisão linguística. Prontamente, um engraçadinho que vestia meias de cor verde perguntou, com o cinismo daqueles que não aceitam a verdade: “e o quê Rio Preto exporta? ” Sem hesitar, o Professor Delboni respondeu com firmeza e convicção científica: “Rio Preto exporta talentos”.

Ocorreu-me o episódio tanto pitoresco quanto verídico ao ler a minuta do livro “Coração Insano –Crônicas Corintianas”, da escritora rio-pretense, Merli Maria Garcia Diniz, associada da União Brasileira de Escritores – UBE, com uma sólida carreira na área literária e no jornalismo esportivo. Confortável e desenvolta seja na prosa como na poesia, recebeu prêmios líricos internacionais no Chile, na Itália e em Portugal. Manteve uma coluna denominada “Bola e Batom”, no venerável jornal Diário da Região, publicado em São José do Rio Preto, onde escrevia artigos de grande repercussão sobre futebol, que eram muito respeitados por mulheres e homens. Escreveu também noutras publicações regionais, frequentemente sobre o futebol e sua expressão maior: o Sport Club Corinthians Paulista.

Como fizeram outros grandes jornalistas esportivos antes dela, a exemplo de Nelson Rodrigues e Luís Fernando Veríssimo, resolveu agregar as suas crônicas futebolísticas numa obra literária. À semelhança de Nelson Rodrigues e Luís Fernando Veríssimo, Merli Maria Garcia Diniz, é uma patriota que valoriza o país onde nasceu, sua cultura e seus valores. Da mesma maneira, ela tem uma enorme sensibilidade social, que na realidade faz parte inseparável do ethos corintiano. De fato, a começar por sua apresentação, onde cita a “Pastoral ao Povo Corintiano” do grande Cardeal Dom Paulo Evaristo Arns, na realidade uma feliz e apósita metáfora para tratar da vida, direitos e aspirações do brasileiro, Merli Maria Garcia Diniz, não dissocia a paixão corintiana do humanismo. Pelo contrário.

A postura emerge translúcida na crônica “Sofrimento Garantido”, na qual trata de uma derrota do Timão:

“Para nós a Copa do Brasil acabou.

Assim, como em 2014, com vantagem no jogo de ida, sucumbimos ao adversário.

Não gosto nem de me lembrar.

Por tão pouco, perdemos a alegria de uma noite e de uma caminhada, vitoriosas.

Não bastasse a lambança dos nossos governantes restringindo direitos sociais, nosso time restringe também, nosso contentamento.

Deve ser sina de país de corruptos, em que apenas no futebol podemos lavar a alma e animarmos nosso coração.

De qualquer modo, ganhando ou perdendo, salve o Corinthians! ”

Contudo, diferentemente de Nelson Rodrigues e Luís Fernando Veríssimo, Merli Maria Garcia Diniz escreveu sobre o Sacrossanto. Suas crônicas tratam apenas do Sport Club Corinthians Paulista, pela desnecessidade absoluta, é certo, de se cuidar de outras pretensas agremiações futebolísticas, quando o Timão esgota o tema do futebol, pelo seu excelso, grandioso e heroico histórico. Ao contrário de Nelson Rodrigues, que afirmou: “já descobrimos o Brasil e não todo o Brasil. Ainda há muito Brasil para descobrir[2].” Merli Maria Garcia Diniz não tem dúvidas, apenas certezas, como quando trata do segundo título mundial do Corinthians: “de certa maneira, fomos o Brasil. Fomos a Pátria. Sim. Aqui tem um Bando de Loucos. Loucos por ti, Corinthians”.

Merli Maria Garcia Diniz parece discordar da assertiva de Luís Fernando Veríssimo, quando afirma “ poder ser provado que Deus é o técnico vitalício do Brasil[3]…” Segundo uma leitura atenta da grande escritora rio-pretense, referendada por ninguém menos que Dom Paulo Evaristo, Cardeal Arns, Deus é o permanente técnico corintiano, que a Fiel torcida, com seu coração de ouro, altruisticamente empresta para a seleção nacional do Brasil, de quatro em quatro anos. Nestas ocasiões quadrienais, parece que Deus deixe apenas São Jorge como encarregado de conduzir o Timão, quase sempre com sucesso.

Segundo Merli Maria Garcia Diniz, “Deus é pai, São Jorge, nosso padroeiro e meu time é o melhor do mundo”. Ela, contudo, não hesita em convocar uma legião de santos para apoiar o Timão nos momentos de grandes dificuldades, convocando sem cerimônias Jesus, Nossa Senhora e São José, dentre outros. Ocasionalmente, São Jorge é afastado após uma derrota, como na crônica “Demissão de São Jorge”, para logo em seguida ser convocado, como o astro futebolista do firmamento divino, e com sua montaria, na crônica “Jogo dos Desesperados”: “Com São Jorge e seu cavalo, em plena lua cheia, começa o jogo dos desesperados. ”

Em suas crônicas bem estruturadas e escritas com estilo e grande desenvoltura, Merli Maria Garcia Diniz não se esquece de mencionar reiteradamente a elegância, a classe, a galhardia, o aprumo, a beleza e a graça da nação corintiana: “como nosso técnico e time são elegantes no trato, goleamos sempre de um ou no máximo dois a zero, para não humilhar o adversário… E que venham todas as forças do universo, porque com São Jorge Guerreiro ninguém pode. ”

Na admirável crônica “Corinthians e Palmeiras – Brasileirão 2017”, a escritora indaga retoricamente: “Tem coisa melhor do que ganhar do Palmeiras? ”, para ela mesma responder: “Só ganhar do Palmeiras todas as vezes…” e continuar:

“Claro que fiquei tensa, porque o gavião sapecar o porco era de se esperar, mas ninguém pensou que iria ser fácil.

No entanto, foi.

Alçamos voo, levando pelos ares nosso mais antigo e perigoso rival.

Foi eletrizante.

O chão tremeu. O palmeirense também.

E nós, Gaviões da Fiel, planamos suavemente em mais uma vitória sensacional”.

O excelente livro “Coração Insano – Crônicas Corintianas”, que retrata a história do Campeão dos Campeões, com a paixão da torcedora e a classe de uma grande escritora, é de leitura obrigatória para todos aqueles que, como eu, fomos abençoados no nascimento pelo ardor da chama corintiana e por seus melhores e reconhecidos valores humanísticos, estéticos e sociológicos. Para os pobres analfabetos do coração, para os deserdados do paraíso ou ainda os desalentados eleitores da mediocridade, a leitura é prescindível.

Salve o todo poderoso Sport Club Corinthians Paulista!

São Paulo, Quadra Flávio La Selva, 8 de junho de 2018.


[1] Corintiano. Membro do Grêmio Recreativo Cultural Gaviões da Fiel. Escritor, professor e advogado no Brasil, Inglaterra e Portugal. Presidente da União Brasileira de Escritores – UBE. Presidente de Noronha Advogados. Membro da Academia de Letras e Artes de Portugal. Membro do Conselho da Fundação Maurício de Grabois e da Fundação Padre Anchieta. Autor de 60 livros em cinco línguas. Usa o heterônimo literário António Paixão.

[2] Rodrigues, Nelson, A Pátria de Chuteiras, Ed. Nova Fronteira, Rio de Janeiro, 2013.

[3] Verissimo, Luís Fernando, Time dos Sonhos – Paixão, Poesia e Futebol, Editora Objetiva, Rio de Janeiro, 2010, página 21.