O corrente sistema, que concentra os poderes decisórios num Conselho de Segurança formatado com 15 membros, dos quais cinco têm poder de veto, já não atende, funcional e ideologicamente os anseios da comunidade internacional, conforme já analisei em meu artigo “A reforma do Conselho de Segurança da ONU”, publicado nesta coluna.
A desmoralização da presente ordem jurídica internacional é tamanha que dois membros permanentes do Conselho de Segurança da ONU, os Estados Unidos da América e o Reino Unido lançaram-se numa guerra ilegal sancionada pela Carta da ONU e certificada como tal pelo próprio secretário-geral daquela organização, lançando a ordem jurídica mundial de cabeça para baixo. De fato, as políticas externas hegemônicas e unilaterais dos EUA e do Reino Unido representam uma contradição absoluta ao direito internacional, inviabilizando não somente sua aplicação, como também seu desenvolvimento, conforme já examinei em “A deconstrução do direito internacional e o império da barbárie”.
Dentro desse quadro, tanto tenebroso quanto desesperançado, despontou no mundo a voz lúcida e pertinaz do presidente do Brasil com a constatação necessária no sentido de que “ uma ordem internacional fundada no multilateralismo é a única capaz de promover a paz e o desenvolvimento sustentável das nações. Ela deve assentar-se sobre o diálogo construtivo entre as diferentes culturas e visões de mundo”.
Prosseguindo em seu raciocínio, nosso presidente concluiu o enunciado de seu conceito de pax est quaerenda afirmando, com inegável propriedade, que “o caminho da paz duradoura passa, necessariamente, por uma nova ordem internacional, que garanta oportunidades reais de progresso econômico e social para todos os países. Exige, por isso mesmo, a reforma do modelo de desenvolvimento global e a existência de instituições internacionais efetivamente democráticas, baseadas no multilateralismo, no reconhecimento dos direitos e aspirações de todos os povos”.
Essa pertinente cosmovisão de nosso presidente, que é parte integrante da política externa do Brasil, encontra eco e apoio da parte da vasta maioria dos Estados membros da ONU. Contudo, ela evidentemente sofre oposição dos setores interessados na condução de políticas unilaterais, do exercício arbitrário das próprias razões, e da promoção da exclusiva própria prosperidade, em detrimento do progresso dos demais, às custas de regras injustas, de negociações de má-fé e de pressões diretas e indiretas sobre os demais Estados. Esta oposição é inteligente e assim não é feita contra os enunciados dos princípios, mas na atuação pragmática de suas políticas externas e através da influência na condução da atividades de diversos organismos multilaterais.
Todavia, a contradição absoluta, a antítese, existe. Já há a inequívoca percepção da opinião pública internacional neste sentido. As pressões para a construção de uma nova ordem internacional, como proposta pelo presidente do Brasil, tenderão a aumentar. Um impasse no presente sistema multilateral poderá ocorrer, mantidas as atuais resistências e práticas hegemônicas. Neste caso, não se pode desejar para a ONU o mesmo triste fim da Liga das Nações, mas é de se considerar a hipótese de sua cisão.
Advogado admitido no Brasil, Inglaterra e Gales e Portugal. Formou-se em direito pela PUC-SP em 1975. Árbitro do GATT (General Agreement on Tariffs and Trade) e da OMC (Organização Mundial do Comércio), e professor de direito do comércio internacional na pós-graduação da Universidade Cândido Mendes (RJ).