Homenagem ao Professor Luiz Carlos Bresser-Pereira na sede da UBE, 09 de novembro de 2015, São Paulo, Brasil.
Excelentíssimo Sr. Ministro de Estado da Defesa, escritor Aldo Rebelo, excelentíssimo Sr. vice-presidente do Partido Comunista do Brasil, escritor Walter Sorrentino, caros colegas de diretoria da União Brasileira de Escritores (UBE), caras escritoras, prezados escritores, minhas senhoras e meus senhores,
O prêmio Juca Pato é reconhecido como a maior láurea do País conferida a um escritor brasileiro. Criado em 1962 pela UBE, a mais antiga associação de escritores do Brasil, tem por objeto conferir uma homenagem àquele que, no ano anterior, tenha publicado um notável trabalho que tenha obtido repercussão nacional. Nas palavras de Caio Prado Junior, um dos fundadores da UBE, o Juca Pato agracia “o homem de pensamento que não se encerra em torre de marfim…E sim aquele que procura se colocar a serviço da coletividade em que vive e da qual efetivamente participa.”
O prêmio foi tirado da figura do Juca Pato, personagem criada pelo jornalista Lélis Vieira e ilustrada pelo caricaturista Benedito Carneiro Bastos Barreto. O Juca Pato era uma figura inteligente, com bom senso, calvo e mal vestido, tinha como o escritor brasileiro dificuldades financeiras e obstáculos para a publicação de seus trabalhos. As caricaturas eram publicadas na então Folha da Manhã.
Desde 1962, o Prêmio Juca Pato vem sendo outorgado regularmente pela UBE. O primeiro agraciado foi o advogado, escritor e chanceler Santiago Dantas, pela Política Externa Independente. Melhor homenageado não poderia haver para encabeçar um elenco de alguns dos principais pensadores brasileiros.
Menciono apenas alguns. Em 1966, o premiado foi Caio Prado Júnior, por “A Revolução Brasileira”. Em 1967, o agraciado foi Érico Veríssimo; em 1969 foi Jorge Amado; em 1973, Afonso Arinos de Melo Franco; em 1975, Juscelino Kubitschek de Oliveira; em 1977, Luís da Câmara Cascudo. No ano de 1978, o agraciado foi o grande advogado, escritor e humanista, Sobral Pinto, por sua obra “Lições de Liberdade”, em 1979 foi Sérgio Buarque de Holanda; em 1981 foi Paulo Bonfim e, em 1982, Carlos Drummond de Andrade.
Em 1983 foi premiada Cora Coralina. Em 1984, foi agraciado o professor Fernando Henrique Cardoso. Antonio Callado foi o recipiente da láurea em 1986. O grande jornalista e escritor brasileiro, Barbosa Lima Sobrinho recebeu a láurea em 1988. Por sua vez, em 1989 foi agraciado o extraordinário humanista brasileiro, Dom Paulo Evaristo Arns.
Fábio Lucas foi premiado em 1991 e Rachel de Queiroz em 1992. O professor e jornalista Sábato Magaldi recebeu a láurea em 1997. O professor e economista Luiz Gonzaga Belluzzo foi agraciado em 2004. O professor e grande historiador brasileiro, Luiz Alberto Moniz Bandeira foi reconhecido em 2005 e o embaixador Samuel Pinheiro Guimarães em 2006. Antonio Candido foi laureado em 2007 e Lygia Fagundes Telles em 2008, somente para citar alguns, sem demérito para os demais nomes de vulto que foram homenageados pela UBE com o Prêmio Juca Pato e não elencados por mim nesta fala.
Como já sucedeu no passado, por ocasião da outorga de nossa láurea, o momento por que passa o Brasil é grave, com uma crise econômica ocasionada por vícios de nosso sistema político e que repercutem na gestão macroeconômica. Esses vícios estão presentes, juntamente com os méritos de nosso sistema democrático, mas se não identificados e eliminados, dentro do estado de Direito, poderão comprometer a essência do sistema e a qualidade de vida da nação.
Ao receber o Juca Pato em 1975, o estadista Juscelino Kubitschek observou que “a democracia é um fruto da independência nacional e não existe independência nacional sem desenvolvimento.” E eu gostaria de acrescentar que não existe desenvolvimento sem eficiente governança e gestão. A má governança e a gestão deficiente não vêm apenas da incompetência funcional, mas principalmente de valores não republicanos como o clientelismo, o corporativismo e a corrupção.
Enquanto interesses setoriais e pessoais se sobrepuserem ao interesse nacional, nossa Nação sairá prejudicada. É chegado o momento de todos nós brasileiros fazer uma análise introspectiva honesta para reconhecer que o desvio de valores e a corrupção se apoderaram do ethos da Nação. Todos nós brasileiros somos responsáveis pelo que sucede, em escala maior ou menor.Temos, portanto, que afastar tais comportamentos tanto nefastos como destrutivos.
Nesse sentido, Caio Prado Junior, ao receber o Juca Pato em 1966, portanto durante os anos sombrios da ditadura militar, observou : “a corrupção e a subversão são sintomas do mal-estar geral que vai pelo país. E sintomas se combatem pelas causas profundas que os ocasionam. A corrupção, em especial, é da essência do nosso regime. Quando, como se dá entre nós, a riqueza é elevada ao plano do mais alto e prezado valor social, e que tudo justifica, como impedir que a aquisição dessa riqueza se faça por todos os meios e modos possíveis, sejam eles quais forem, e inclusive pela corrupção? Numa sociedade como a nossa em que a corrupção e a ausência de princípios éticos se acham institucionalizadas e entronizadas nas relações privadas, porque elas são, podemos dizer, da essência do ‘negócio’ que regula essas relações como impedir, pergunto, que elas contaminem também as relações públicas?”
Como queria Sobral Pinto, é chegado o momento de todos e cada um de nós assumirmos o papel de advogados do País, visando o bem estar comum assentado no império da Lei, no estado de Direito e na categórica afirmação dos melhores valores republicanos e humanísticos. Para tanto, temos que afastar tanto todos os interesses ilegítimos como os ilegais definitivamente de nossas vidas. Ao promover a tolerância, esta virtude do nosso caráter nacional, temos que saber identificar quando ela se transforma permissividade, que é uma anomalia, para afastá-la de nossas almas.
O Brasil precisa se lançar num grande mutirão de ordem moral e ética. Não é difícil buscar os critérios. Basta recorrer àquela inesgotável fonte de decência e bom senso que é o coração do povo, como fizeram os sábios Confúcio e Voltaire. O privilégio da condução do esforço cabe aos integrantes dos poderes da República, com o imprescindível apoio da sociedade civil.
No atual difícil momento por que passa o Brasil foi muito oportuna a reflexão induzida por Luiz Carlos Bresser-Pereira, em “A Construção Política do Brasil”, obra pela qual foi agraciado com o título de Intelectual do Ano e premiado com o Juca Pato pela União Brasileira de Escritores. Em seu trabalho, Bresser-Pereira praticamente retomou o ponto em que havia parado Caio Prado Júnior, no fim do Império, na sua obra “Evolução Política do Brasil”.
Em “A Construção Política do Brasil”, Bresser-Pereira discorre sobre a Primeira República, a revolução capitalista brasileira, a retomada do desenvolvimentismo após 1945, a crise dos anos 60, a economia sob o regime militar, a democracia brasileira, o pacto liberal-dependente de 1991, o Plano Real, a armadilha do câmbio e dos juros e finaliza com duas análises, uma com um balanço econômico e, outra, com uma análise política do País.
Segundo Bresser-Pereira, o Brasil é uma “nação incompleta, é uma sociedade nacional-dependente, é uma nação em busca de uma estratégia nacional de desenvolvimento; é uma nação que rejeita o Estado liberal, mas não logrou ainda reconstruir e renovar o Estado desenvolvimentista; é uma economia que cresce lentamente desde 1980, e que precisa aumentar de modo durável sua taxa de investimento…, mas não logra superar a armadilha dos juros altos e da taxa de câmbio sobreapreciada; é uma sociedade civil viva e atuante, que garante uma democracia consolidada; é uma sociedade em que ainda impera a desigualdade, mas a luta pela justiça social está viva, é uma sociedade que participa da proteção mundial do ambiente; é, finalmente, uma democracia viva, quase participativa”.
Com “ A Construção Política do Brasil” Bresser-Pereira se inseriu no rol daqueles homens de pensamento que se colocam a serviço da coletividade em que vivem e da qual efetivamente participam, o que foi reconhecido por unanimidade no âmbito da União Brasileira de Escritores.
É, assim, com enorme satisfação que confiro, em nome da União Brasileira de Escritores, ao Professor Luiz Carlos Bresser-Pereira o título de Intelectual do Ano e lhe entrego o prêmio Juca Pato de 2014.
Muito obrigado.
Advogado admitido no Brasil, Inglaterra e Gales e Portugal. Formou-se em direito pela PUC-SP em 1975. Árbitro do GATT (General Agreement on Tariffs and Trade) e da OMC (Organização Mundial do Comércio), e professor de direito do comércio internacional na pós-graduação da Universidade Cândido Mendes (RJ).