1- A Rodada do Uruguai foi a única das sete rodadas de negociações do Acordo Geral de Tarifas e Comércio (GATT), desde de sua realização original em 1947 que, ao invés de promover a prosperidade geral dos partícipes signatários por meio de crescimento do comércio internacional, foi seguida por uma crise econômica e social sem precedentes para as nações em desenvolvimento, apesar do maciço esforço da propaganda que indicava uma prioridade enganosa. Tal propaganda foi aceita como verdadeira pelas nações em desenvolvimento em geral. Na Índia, o então ministro do comércio, Sr. Pranab Mukherjee, fez uma declaração ao parlamento em 16 de dezembro de 1993, estimando um crescimento das exportações da Índia de 1.5 bilhões de dólares para 2 bilhões anualmente, além do crescimento normal.[1]
No Brasil, o presidente, Itamar Franco, prometeu ao congresso uma era de prosperidade.[2]

2. Conseqüentemente, nos cinco anos que seguiram a fundação da Organização Mundial de Comércio (OMC), em 1995, a prosperidade mundial ficou mais do que nunca circunscrita às nações desenvolvidas, particularmente os Estados Unidos da América (EUA) e a União Européia (UE). Depois de mais de 50 anos da retórica do livre comércio no GATT e, posteriormente, na OMC, o setor agrícola mundial, a mais tradicional atividade econômica e aquela da qual as nações em desenvolvimento são muito dependentes, continua a ser totalmente administrado e corrompido por montanhas de subsídios despendidos pela UE, EUA e Japão. O setor têxtil, de similar importância para as nações em desenvolvimento, também continua a esperar por liberalização.

3. Como resultado, nos últimos cinco anos, tem havido um crescimento da concentração de renda nas nações desenvolvidas; um crescimento da quota das nações desenvolvidas no comércio internacional; e um significativo aumento das exportações pelas nações desenvolvidas. Ao mesmo tempo, as nações em desenvolvimento eram afetadas por uma maior volatilidade financeira, um crescimento reduzido das exportações, crise econômica e desânimo. De acordo com os números da OMC, tanto a Ásia quanto a América Latina tiveram o pior desempenho no comércio de bens nos quatro anos subseqüentes a 1995 que no mesmo período precedente.[3]
Os preços das mercadorias agrícolas caíram consistentemente desde 1995 e 30% desde 1998, dos quais 16% em 1999.[4] De acordo com a OMC, as nações africanas e latino-americanas têm nas mercadorias agrícolas 19% e 36% das suas exportações, respectivamente.[5]

4. Tal crise econômica foi seguida de instabilidade política e social em grandes partes do mundo. Na Rússia, a troca tornou-se o principal meio de comércio. O quadro africano continua dramático, e mesmo as bem sucedidas experiências institucionais, tal como o caso da África do Sul, não lograram ampliar o acesso dos seus produtos e serviços aos mercados das nações desenvolvidas. A situação na América-Latina tornou-se crítica, com a insurreição dos movimentos armados no México, Peru, Colômbia e, até certo ponto, no Brasil. O Mercado Comum da América do Sul (MERCOSUL), uma iniciativa meritória, está no presente afundando, como um resultado dos bilaterais desentendimentos entre a Argentina e o Brasil, que foram seguidos de maciça desvalorização do câmbio ocorrida no Brasil em 1999. Paraguai, Colômbia, Venezuela e Equador estão atravessando grave crise institucional. Em toda a América Latina, o crescimento econômico será negativo em 1999: -6,5% na Venezuela; -3% na Colômbia; -6% no Equador; -1% no Brasil; -2% no Chile; -1,5% no Paraguai; -2% no Uruguai; e ?3% na Argentina. O desemprego na Argentina e no Brasil excede 20% e no Equador atingiu o alarmante número de 70%.

5. Por outro lado, a Ásia também foi desfavoravelmente afetada pelo problema da economia mundial, começando com o Japão, que encarou uma prolongada recessão depois do fim da Rodada do Uruguai do GATT. Vale mencionar ainda que a recente crise internacional afetou mesmo as nações da Ásia com políticas fiscais estabilizantes, tal como a Coréia do Sul; as Filipinas; a Tailândia; a Indonésia e a Malásia. A China continua fora da OMC, apesar da sua expressiva economia e grande população. Por sua vez, a Índia fracassou em beneficiar-se da Rodada do Uruguai de um modo significativo.[6]

6. Portanto, dentro da perspectiva das nações em desenvolvimento, até o momento, a experiência da OMC não tem sido positiva, como a concentração das riquezas e o crescimento do comércio em favor das nações desenvolvidas. Conseqüentemente, as modestas concessões feitas nas áreas agrícola e têxtil não foram suficientes para dar vantagem competitiva às nações em desenvolvimento, uma vez que elas estavam também baseadas em princípios de proteção com margens muito confortáveis ou margens de lucro concedidas para longos períodos. Como resultado, as nações desenvolvidas “chegaram num compromisso no qual os EUA e a UE mantiveram a proteção de suas agriculturas tanto quanto aos setores sensíveis de mão-de-obra intensiva…”[7]
. A inclusão de novas áreas no sistema multilateral permitiu às nações desenvolvidas o acesso aos mercados de serviços das nações em desenvolvimento, mas não permitiu às nações em desenvolvimento acesso ao mercado do comércio dos parceiros desenvolvidos, fechados por meios de barreiras horizontais com políticas comuns de imigração.[8]
O Acordo Medidas Sobre Investimentos Relacionadas ao Comércio (TRIMS) fracassou ao não tratar da importante questão da escandalosa cumplicidade dos parceiros comerciais desenvolvidos em relação à fraude fiscal no mundo em desenvolvimento, por meio de serviços estipulados pelo seu setor de serviços financeiros com o status de paraíso fiscal.[9]

7. O Acordo sobre Aspectos do Direito da Propriedade Intelectual Relacionados ao Comércio (TRIPS) subordinou as autoridades das nações em desenvolvimento às nações desenvolvidas por meio do conceito de proteção à “fonte de informação”. O Acordo sobre Regras de Origem (ARO) autoriza o protecionismo nas áreas de livre comércio e seu uso para desviar tradicionais correntes de comércio, tal como o caso do Acordo do Livre Comércio da América do Norte (NAFTA), que aumentou a dependência do México ao mercado norte-americano e teve um efeito devastador no Caribe.[10]
O Acordo Subsídios não é nem correto nem justo com as nações em desenvolvimento. O Acordo Anti-dumping não impediu o arbítrio da lei municipal, notadamente nos EUA, mas também em algumas nações em desenvolvimento. Além do que, o dumping financeiro e tecnológico não foi proibido. Tais práticas são amplamente usadas pelas nações desenvolvidas para assegurar o domínio do mercado, de modo que suas companhias têm acesso a fontes baratas de financiamento e freqüentemente licença tecnológica gratuita para as suas respectivas subsidiárias.

8. Mesmo o sistema de resolução de controvérsias, no qual muitas esperanças foram depositadas, tem deixado muito a desejar nos anos que tem funcionado na OMC. Muitos desses problemas derivam da escassez de regras processuais adequadas, que comprometem a eficácia e a juridicidade do sistema.[11]
O sistema carece de terminologia legal adequada para certos institutos legais básicos tal como reconvenção ou litisconsórcio ativo. A primeira falha requer a instalação do painel para a reconvenção de uma parte, e uma outra, com árbitros diferentes, para a reconvenção da outra, num problema conexo e com as mesmas partes. Tal situação cria a muito tangível possibilidade de que a sentença dos dois, três ou mesmo quatro diferentes painéis possa ser diferente e contraditória. Por outro lado, a segunda falha pode provir da formação dos diferentes painéis, com diferentes árbitros e diferentes termos de referência, que podem resultar em diferentes decisões para basicamente o mesmo problema da lei. Uma outra falha dos sistemas pertence ao Entendimento para Resolução de Controvérsias (ERC) que não autoriza discussão de pontos preliminares da lei, tal como por exemplo aqueles pertinentes aos conflitos entre tratados. Isso tornou-se um problema para a Índia e para o Brasil em painéis recentes.[12]

1. Um outro problema afetando o sistema de decisão da disputa da OMC é falta de transparência do trabalho apresentado pela secretaria, e sua divisão legal, em favor dos painéis. A OMC recusou por escrito fornecer a uma organização não governamental a relação das nações de origem dos membros da sua divisão legal. É sabido que tem sido pesadamente etnocêntrico.

9. Por tudo que se tem sido dito até aqui, parece claro que o resultado da Rodada do Uruguai do GATT precisaria ser aperfeiçoado completamente antes que a comunidade internacional se jogue em frias águas de uma outra rodada, sob peso de uma de uma irremediável perda de credibilidade do sistema. A maioria das nações em desenvolvimento está no momento profundamente arisca quanto infeliz com a OMC, já que a percepção é muito clara de que o velho jogo de exploração ainda está acontecendo. Como poderia então alguém explicar as razões do lançamento de uma nova rodada de negociações do sistema multilateral neste momento? Mike Moore, em seu primeiro discurso como novo diretor geral da OMC reponde esta questão com um oxímoro, uma clara contradição em termos, com as seguintes palavras: “Como nós podemos ver do programa de trabalhos para Seattle, há muitos negócios não terminados e muito boa afinação a ser feita. Muitos de nós estão desapontados uma vez que a Rodada do Uruguai não forneceu o tipo de resultados que nós queríamos. Muitos de nós estão preocupados que o pacote não foi adequadamente equilibrado para refletir as nossas necessidades. Não é surpreendente que cinco anos depois de Marrakesh muitos de vocês estão clamando por mudanças e correções. Eu concordo. É por isso que nós devemos ter uma outra rodada.”[13] Considerando que é absolutamente certo que repensando os maiores erros e omissões dos acordos da Rodada do Uruguai não é necessária uma nova rodada de negociações, em vista das apropriadas cláusulas de revisão, alguém apenas pode especular quanto aos motivos de tal declaração.

9.1 – De fato, a revisão do mandatário embutida dos acordos Rodada do Uruguai abarca o seguinte:

a. operação de mecanismo de revisão de políticas de comércio;

b. procedimentos de notificação;

c. implementação e operação do Acordo em Avaliação Aduaneira;

d. implemantação e operação do Acordo em Procedimentos de Licença de Importação;

e. implementação e operação do Acordo em Medidas de Subsídios e Compensação;

f. implementação e operação do Acordo em Práticas Anti-Dumping;

g. implementação e operação do Acordo em Barreiras Técnicas ao Comércio;

h. aspectos técnicos do Acordo em Regras de Origem;

i. inspeção pré-expedição;

j. medidas sanitárias e fito-sanitárias;

k. decisão da disputa de regras e procedimento;

l. TRIMS;

m. TRIPS;

n. Têxteis;

o. Agricultura; e

p. Transporte aéreo

9. Neste momento, parece apropriado mencionar que a UE foi a responsável pela iniciativa original para o lançamento de uma nova rodada de negociações da OMC no encontro ministerial que terá lugar em Seattle, Washington, EUA, de 29 de novembro a 3 de dezembro. O principal objetivo da UE com a nova rodada é a criação de novas estruturas para assegurar a manutenção de sua relativa competitividade contrabalançando os efeitos do fasing-out dos subsídios agrícolas no decorrer do tempo e os custos mais baixos da produção de serviços, mercadorias manufaturadas e produtos agrícolas em nações em desenvolvimento, em grande parte como resultado da onda de recessões e correntes desvalorizações nos últimos cinco anos. Os EUA compartilham dos mesmos objetivos gerais da UE e o Japão pretende sobreviver como uma importante força comercial.

10. No encontro ministerial de Cingapura, as seguintes questões foram levantadas para uma nova rodada:

a. comércio e investimento;

b. política de competição;

c. aquisição governamental;

d. facilitação comercial;

e. padrões de trabalho; e

f. assistência a menos nações desenvolvidas.

1. As questões de comércio e meio ambiente e comércio eletrônico têm sido levantadas separadamente pelos EUA. Antecipa-se que a UE concordará com prazer.

9. Por outro lado, o Grupo dos 15, como um resultado do encontro preparatório ocorrido em Bangalore, Índia, em 17 e 18 de agosto de 1999 estabeleceu três linhas de ação para a Rodada do Milênio:

a. a remoção de injustiças e desequilíbrios do Acordo da Rodada do Uruguai;

b. revisão dos graves problemas de estímulo da agricultura e têxteis; e

c. a criação de exceções para as nações em desenvolvimento.

1. No momento, o Brasil tem aparentemente aceito o programa de negociações do G-15 com uma posição muito forte na correção das aberrações das regras anti-dumping.

2. A Índia originariamente estava contra a nova rodada mas agora aparentemente aceitou o programa de negociações do G-15 [14], com interesse muito aguçado nas áreas de serviços.

3. Na minha visão pessoal, esta agenda é muito modesta considerando o enorme preço a pagar na aceitação em uma nova rodada de negociações com riscos tão grandes.

13.- De qualquer forma, se as nações em desenvolvimento devem embarcar em tão perigosa viagem, em águas frias e no meio de elementos traiçoeiros, será muito melhor feito com uma bem cuidada coordenação de interesses e ações.