LONDRES – No final do mês de março passado, transcorreu-se o décimo quinto aniversário do Mercosul (Mercado Comum do Sul), sem grandes iniciativas políticas para a celebração da efeméride. O Mercosul, área atípica de livre comércio da América do Sul, foi criado pelo Tratado de Assunção, celebrado na capital paraguaia em 26 de março de 1991, entre o Brasil, a Argentina, o Paraguai e o Uruguai. O bloco tinha um ambicioso plano de se transformar num mercado comum, “com a eliminação de todas as barreiras comerciais”, até o 1° de janeiro de 1995.
Enquanto a iniciativa do Mercosul sofria, no Brasil, críticas acerbas de setores conservadores que privilegiam a subordinação dos interesses estratégicos da região àqueles dos Estados Unidos da América, a OMC (Organização Mundial do Comércio), divulgava uma análise muito positiva do bloco, concluindo que este não desviou correntes de comércio. Essa avaliação é muito importante porque significa que a iniciativa criou riqueza e prosperidade.
O corolário é necessário porque se as correntes de comércio internas no bloco cresceram de cerca de US$ 5 bilhões em 1991 para aproximadamente US$ 25 bilhões em 2005, sem que se fossem excluídas ou minimizadas as relações de troca anteriores, tivemos um notável e substancial progresso. O mesmo não se pode dizer, à guisa de comparação, das relações de troca do Nafta (Acordo de Livre Comércio da América do Norte), que promoveu o aumento da dependência comercial do Canadá e do México com os EUA.
No entanto, como é natural, o Mercosul tem enormes problemas que decorrem de diversos fatores, tanto de natureza econômica quanto de natureza política. Dos primeiros, salta à vista o fato de que todos os componentes do bloco são países em desenvolvimento, com as conhecidas dificuldades de superação das assimetrias e iniqüidades sociais internas. De mais a mais, evidenciam-se também as proporções socio-econômicas muito diferenciadas entre o Brasil e os demais membros do bloco, notadamente com o Paraguai e com o Uruguai.
Outro problema que ocorre é a falta de complementaridade econômica em muitos setores, o que coloca regiões dos países em competição com outros. Acresce que o desejo de superação das misérias atrozes do subdesenvolvimento leva naturalmente os Estados membros do Mercosul a estarem em competição direta, uns com os outros, na atração dos investimentos estrangeiros e, até mesmo, daqueles nacionais.
Tais percalços têm levado os líderes dos Estados Membros do Mercosul a fazer uma série de concessões e exceções na estrutura do ordenamento jurídico do bloco que não têm semelhança em nenhum outro pacto de livre comércio. Do ponto de vista jurídico, as bizarrias abundam no Mercosul.
O último exemplo dessas é o chamado MAC (Mecanismo de Adaptação Competitiva), uma salvaguarda para os setores menos competitivos criada entre o Brasil e a Argentina, como se o problema não existisse para Paraguai e Uruguai, e como já não houvesse um regime multilateral de regência do tema. Lembre-se ainda do regime draw-back de importações de fora do bloco para exportações dentro do Mercosul, ou ainda das intermináveis listas de exceções à Tarifa Externa Comum.
Contudo, nenhuma de tais bizarrias, nem sequer o seu conjunto, compromete as vantagens e o mérito já amplamente demonstrado da iniciativa, do ponto de vista econômico. Por outro lado, não há quem possa negar o positivo resultado político do Mercosul. Onde antes preparava-se a guerra, a desunião, a miséria e a desesperança, hoje prevalece o diálogo, a cooperação, a busca do denominador comum da Justiça social, e afirma-se o Estado de Direito.
No entanto, mais do que na área econômica, é na área política que o Mercosul carece de maiores reformas. Para que instituições políticas sólidas possam emergir no bloco, é importante que, por parte do Brasil, sejam admitidas instituições jurídicas supra nacionais, com plenos poderes jurisdicionais, que possam afirmar o estado de Direito na região, resolvendo as disputas entre os Estados, da mesma forma que entre os Estados membros e interesses privados.
Sucessivos governos brasileiros têm evitado caminhar naquela direção para não renunciar à soberania em certas questões. Contudo, como não fazê-lo se o objetivo estratégico é um mercado comum? Por outro lado, para as demais instituições políticas, inclusive para um eventual Parlamento do Mercosul, os demais Estados membros terão necessariamente que reconhecer a regra da proporcionalidade na representação (a essência da Democracia), que deixará inexoravelmente o Brasil com uma maioria deliberativa.
Tratam-se de desenvolvimentos difíceis, mas necessários para que o Mercosul possa atingir os objetivos do Tratado de Assunção e avançar no sentido da promoção do desenvolvimento social e econômico da região, ao mesmo tempo em que promove a paz e o sentimento de justiça.
Advogado admitido no Brasil, Inglaterra e Gales e Portugal. Formou-se em direito pela PUC-SP em 1975. Árbitro do GATT (General Agreement on Tariffs and Trade) e da OMC (Organização Mundial do Comércio), e professor de direito do comércio internacional na pós-graduação da Universidade Cândido Mendes (RJ).