Artigo publicado pelo sócio Daniel Alvarenga no sítio eletrônico Valor Econômico, 16 de maio de 2018.
A Resolução 4.656/2018 que regulamentou a atuação das fintechs de crédito no Brasil, aprovada em 26 de abril pelo Conselho Monetário Nacional (CMN), abre as portas do setor bancário, altamente concentrado no Brasil, para que empresas de tecnologia financeira ofertem produtos e serviços financeiros no mercado de crédito. Hoje, fintechs de crédito já operam no mercado financeiro, porém sempre por intermédio de instituição financeira regulada pelo Banco Central (BC).
Com a nova regulamentação foram criadas duas espécies de instituições financeiras com modelo de negócio distintos. São elas: Sociedade de Crédito Direto (SCD), que realizará operações de crédito apenas utilizando recursos financeiros próprios, e Sociedade de Empréstimo entre Pessoas (SEP), que realizará operações de crédito apenas como intermediadora financeira sem reter riscos ou utilizar recursos próprios, conhecida no mercado por “peer-to-peer lending”. Ambas as instituições, após aprovação do BC, estarão autorizadas a operar, somente, por meio de plataforma eletrônica.
A mencionada Resolução 4.656/2.018 tem grande potencial para fazer os juros bancários caírem e intensificar a oferta de empréstimos e financiamentos com taxas menores, ampliando a concorrência com os grandes bancos que atualmente dominam o mercado.
Se comparada com a minuta inicialmente divulgada em agosto de 2017 pelo BC, a nova minuta aprovada pelo CMN que deu origem a Resolução 4.656/2.018 é mais clara, facilitou o processo de autorização das fintechs de crédito perante o BC e também descreveu com maior detalhe como os fundos de investimento poderão colaborar e interagir com estas empresas de tecnologia. Na minuta aprovada pelo CMN foram excluídas a entrevista técnica e a necessidade de indicação de “profissional tecnicamente capacitado” para acompanhar o processo de autorização perante o BC, ambas exigências constavam na minuta anteriormente disponibilizada pelo BC através de edital de consulta pública nº 55/2.017.
De acordo com a nova Resolução 4.656/2.018, o procedimento de autorização perante o BC é o mesmo tanto para a Sociedade de Crédito Direto (SCD) como para a Sociedade de Empréstimo entre Pessoas (SEP). Ambas deverão ser constituídas sob a forma de sociedade anônima com capital social de no mínimo R$ 1 milhão. Para que o pedido de autorização seja analisado pelo BC, a resolução determina que seja apresentada pela fintech de crédito “justificativa fundamentada”, que na prática é um plano de negócios, no qual deverá constar as seguintes informações sobre o empreendimento: 1 – indicação dos serviços a serem prestados e eventual interesse em emitir moeda eletrônica; 2 – público alvo; 3 – oportunidades de mercado que justificam o empreendimento; 4 – diferenciais competitivos e; 5 – sistemas e recursos tecnológicos a serem utilizados.
Resolução trará maior segurança jurídica para credores e tomadores de crédito e previsibilidade para os investidores
Além da “justificativa fundamentada”, o requerimento a ser apresentado ao BC deverá conter: 1 – identificação das pessoas que compõe o grupo econômico; 2 – identificação do grupo de controle ou de detentores de participação qualificada; 3 – informações relacionadas ao fundo de investimento, quando este participar do grupo de controle; 4 – comprovação da origem dos recursos financeiros utilizados no empreendimento; 5 – demonstração de capacidade econômico-financeira compatíveis com o plano indicado na “justificativa fundamentada” e por fim; 6 – autorização assinada pelos principais integrantes da fintech permitindo ao BC e a Receita Federal o fornecimento de informações bancárias e fiscais destas pessoas para que tais dados integrem o processo de autorização.
No processo de autorização o BC avaliará além dos documentos mencionados, se foram observados requisitos operacionais e prudenciais, proporcionais e compatíveis com o porte e perfil da fintech.
Com relação aos fundos de investimento, de acordo com a Resolução 4.656/2.018, eles poderão integrar o grupo econômico que terá influencia na gestão da SCD ou da SEP de duas formas: através do “grupo de controle”, isto é, quando o fundo detiver direitos de sócio correspondentes à maioria do capital votante ou; por meio de “participação qualificada”, ou seja, quando o fundo detiver participação, direta ou indireta equivalente a 15% (quinze por cento) ou mais das ações representativas do capital social da SCD ou da SEP.
A Resolução 4.656/2.018 veda expressamente ao administrador e ao gestor do fundo de investimento que vier a fazer parte do grupo de controle ou detiver participação qualificada que exerçam cargos em órgãos de administração nas respectivas instituições (SCD ou SEP).
Ainda com relação aos fundos de investimento, a resolução permite que a SCD venda ou ceda seus créditos, originados na plataforma eletrônica, para fundos de investimentos em direitos creditórios (FIDCs) cujas cotas sejam destinadas exclusivamente a investidores qualificados. A venda ou cessão dos direitos creditórios da SCD também poderá ocorrer para instituições financeiras e para companhias securitizadoras.
A resolução autoriza também aos FIDCs a operarem como credores na plataforma da Sociedade de Empréstimo entre Pessoas (SEP), desde que as cotas dos FIDCs sejam destinadas exclusivamente a investidores qualificados.
Além de trazer maior segurança jurídica para credores e tomadores de créditos, a Resolução 4.656/2.018 também trará maior previsibilidade para investidores nacionais e estrangeiros que tenham interesse em investir nas fintechs de crédito brasileiras.
Para as fintechs os investimentos são essenciais para que elas possam ser mais competitivas, ganhar escala, atender mais clientes e desenvolver novos produtos tecnológicos, promovendo assim a inovação e estimulando a participação de novos participantes no mercado financeiro. A nova regra tem aplicação imediata, possibilitando às empresas interessadas darem início ao processo de autorização.
Sócio de Noronha Advogados, no departamento Bancário e Securitário, especializado em “International Investment Law” pelo King’s College London e em Estruturas e Operações Empresariais pela FGV-Direito.