As primeiras páginas de notícias costumeiras das disputas triviais, disputas corajosas e atritos similares entre os maiores parceiros do Mercosul, Argentina e Brasil, foram agora banidos aos seus setores interiores, se não foram totalmente esquecidos. Foram substituídos por outras notícias de comércio externas, desta vez uma guerra comercial entre Brasil e Canadá resultante da interpretação do veredicto de dois painéis da Organização Mundial de Comércio (OMC) estabelecidos com o intuito de examinar as alegações recíprocas sobre subsídios ilegais na indústria de aviação. De fato, a EMBRAER do Brasil e a Bombardier do Canadá competem pela posição de líder mundial na produção de jatos regionais. Recentemente A Bombardier tem sido superada pela empresa brasileira em número de vendas, e atribuiu este desenvolvimento aos subsídios ilegais praticados pelo programa de financiamento de exportações do Brasil, o PROEX. Por outro lado, o Brasil acusa o Canadá de subsidiar ilegalmente a Bombardier, em níveis nacionais e regionais.
O Órgão de Resolução de Disputas (DSB) da OMC decidiu em favor do Canadá, condenando o Brasil a compensar o Canadá no montante de US$ 1.7 bilhões de dólares. O comércio bilateral é pequeno, o que significa que a relação comercial entre esses dois países será afetada por muitos anos, como obviamente são as compensações tarifadas e aplicadas no comércio exterior. Ademais, o painel decidiu que o critério de financiamento do PROEX deveria ser conduzido nas linhas e padrões estabelecidos pela Organização para Cooperação e para o Desenvolvimento Econômico (OCDE), uma associação da qual o Brasil não é membro, já que é um país em desenvolvimento e, na época do desenvolvimento, era um signatário da cláusula de transição do Acordo do Fundo Monetário Internacional (FMI) e estava administrando trocas de controle.
Esta decisão por si só foi o motivo de tantas críticas no Brasil e nos países em desenvolvimento, em geral, como foi corretamente observado que o DSB tem rejeitado constantemente os direitos dos países em desenvolvimento assegurados por outros tratados internacionais e que o sistema de resolução de disputas da OMC carece de autoridade legal para examinar o assunto de conflito de tratados. Neste sentido, um precedente infeliz para países em desenvolvimento foi instituído, imediatamente antes da disputa Brasil – Canadá, no caso apresentado pelos Estados Unidos da América (EUA) contra a Índia, em relação a restrições quantitativas para tecidos, agricultura e outros produtos, quando foi decidido que as exceções do FMI garantiam que aos países em desenvolvimento não se aplicariam o contexto da OMC.
Para tornar mais controversa a situação, o Brasil tem sido constantemente derrotado no sistema de resolução de disputas da OMC, perdendo previamente casos contra a União Européia no campo de produtos de leite bem como no de aves e contra os EUA no campo de programas automotivos. Consequentemente, não apenas a DSB, mas também a própria OMC têm sido sujeitos de críticas injuriosas, já que os países desenvolvidos venceram 90% dos casos contra os países em desenvolvimento, nos 5 anos da OMC e a competência do Ministério Brasileiro das Relações Exteriores, a quem cabe a responsabilidade a respeito de assuntos de comércio exterior, tem sido seriamente questionada.
Se o precedente não foi suficiente para incentivar a imprensa, o Canadá decidiu além de recusar as modificações introduzidas pelo Brasil em seu programa PROEX, submetendo este assunto mais uma vez à consideração do DSB, também decidiu retaliar contra o Brasil, de maneira incompatível com o regime legal multilateral. Esta retaliação veio sob a forma de subsídios adicionais inequívocos à Bombardier sempre que a EMBRAER fosse polo de uma oferta competitiva. Consequentemente, o Canadá fez o que provavelmente engatilhará uma disputa comercial com o Brasil e certamente arruinará as relações bilaterais por muitos anos; como parceiro encarregado das medidas fitosanitárias do Acordo de Livre Comércio da América do Norte (NAFTA), declarou ser arriscada a carne brasileira nos campos de BSE, doença da vaca louca, proibindo as importações da mesma, o que foi imediatamente seguido pelos EUA e México.
Os brasileiros estão muito orgulhosos da carne nacional . O país tem o maior pasto livre existente no mundo e nenhuma tradição de criação em estábulo, já que o clima e a imensidão de seu território contribuem com o padrão mais do que última prática mencionada. O Brasil não tem sequer um caso de BSE. Uma vez que a medida foi decretada pelo Canadá, aconteceu um alvoroço popular, e esta forte reação da sociedade civil incentivou o governo brasileiro a ir à luta. O Presidente brasileiro, Sr. Fernando H. Cardoso, anteriormente um professor universitário fluente em quatro idiomas, um homem de natureza extremamente conciliatória, declarou que poderia haver uma guerra comercial com o Canadá se as medidas não fossem revertidas em três semanas. Devemos aguardar e ver.
Advogado admitido no Brasil, Inglaterra e Gales e Portugal. Formou-se em direito pela PUC-SP em 1975. Árbitro do GATT (General Agreement on Tariffs and Trade) e da OMC (Organização Mundial do Comércio), e professor de direito do comércio internacional na pós-graduação da Universidade Cândido Mendes (RJ).