Infelizmente, no ano passado, o MERCOSUL sofreu um processo de deterioração tão intenso, que fez com que se tornasse um exercício de comércio administrado ao invés de ter consolidado, definitivamente, sua condição de promissor mercado comum, anunciada, das costas sul americanas ao mundo, com o devido orgulho. Uma iniciativa predominantemente política com metas de integração econômica pouco realistas, o MERCOSUL foi criado pelo Tratado de Assunção, assinado em 1991. Seus objetivos ambiciosos compreendiam a criação de um mercado comum, com livre circulação de capital, mercadorias, serviços e pessoas; a criação de uma tarifa externa comum e política comercial; bem como a coordenação de políticas macroeconômicas de seus Estados Membros.
Os resultados encorajadores de seus primeiros 8 anos de existência foram meramente ilusórios, pois resultaram mais das inerentes circunstâncias artificiais do que dos próprios atributos intrínsecos, que pudessem dar base a um crescimento sustentado. Tais condições artificiais tiveram dois aspectos: em primeiro lugar, foi criado um nicho para o comércio de mercadorias agrícolas, anteriormente excluídas do mercado multilateral, o qual se tornou responsável por 59% do comércio interno do bloco; em segundo lugar, a política de supervalorização da moeda brasileira induziu a criação da possibilidade de acesso de produtos argentinos ao mercado, os quais, de outra forma, não teriam condições de competir. Tal política também contribuiu muito para o desvio de investimentos estrangeiros no setor de manufaturas, do Brasil para a Argentina, sendo que os mercados mais importantes situam-se no Brasil, e não na Argentina.
A desvalorização do real no início de 1999 trouxe de volta à realidade os demagogos que acreditavam que o mercado comum poderia ser criado tão somente de vontade política, sem que houvesse fatores macroeconômicos que propiciassem a estabilidade fiscal, governança pública eficiente, e a conseqüente credibilidade doméstica e internacional. A crise propiciou o desenvolvimento da acrimônia nas relações políticas dentro do bloco econômico, e como resultado disso, surgiram conflitos comerciais em setores estratégicos como o automotivo, tecnologia de informação, laticínios, aço, sapatos, porcos, papel, têxteis, açúcar, bens de produção, etc. O comércio administrado desenvolveu-se naturalmente. Tecnicamente, pôde-se considerar o bloco de livre comércio como se estivesse morto.
Ambos os ingredientes da crise, a supervalorização da moeda, bem como sua subsequente desvalorização, foram criados pela má gestão das políticas fiscais brasileiras, uma tradição extremamente arraigada na história republicana. Tal estado das coisas fez do Brasil um dos poucos países do mundo a adotar políticas de controle de câmbio até os dias de hoje, liberalizado sua economia, após haver a ambição de competir em escala global. Como pode-se sonhar em ter o livre fluxo de moedas em uma zona de livre comércio ou mercado comum, com controles cambiais! É evidente que isso é impossível, porque uma das condições “sine qua non” para o livre comércio é a existência de uma moeda forte que possa sustentá-lo. Sem uma política fiscal dotada de credibilidade, não há moeda confiável, e sem moeda conversível confiável, não há livre comércio.
Portanto, o MERCOSUL terá, indubitavelmente, um futuro brilhante no dia em que o Brasil tiver uma moeda conversível confiável.
Advogado admitido no Brasil, Inglaterra e Gales e Portugal. Formou-se em direito pela PUC-SP em 1975. Árbitro do GATT (General Agreement on Tariffs and Trade) e da OMC (Organização Mundial do Comércio), e professor de direito do comércio internacional na pós-graduação da Universidade Cândido Mendes (RJ).