São Paulo – Brasil e Argentina têm muito em comum, características boas e ruins. Dentre as últimas contam-se idiossincrasias jurídicas que atrapalham a vida de suas populações e criam um clima adverso à estabilidade jurídica, à atividade econômica e, por conseguinte, ao desenvolvimento e ao progresso. A última bizarria produzida conjuntamente pelos dois países diz respeito ao chamado MAC (Mecanismo de Adaptação Competitiva), introduzido em 1 de fevereiro de 2005, como resultado do protocolo adicional ao Acordo de Complementação Econômica de número 14, de 20 de dezembro de 1990, no âmbito da Aladi, um tratado anterior ao Mercosul.
O MAC é uma salvaguarda nas relações bilaterais (sic). Como é sabido, as salvaguardas são objeto do chamado Acordo Salvaguardas da OMC, de 1994, que permite a aplicação, por um país, de medidas de salvaguardas para um produto quando este está sendo importado em quantidades tais que causam ou ameaçam causar um sério dano à indústria doméstica. As salvaguardas devem ser aplicadas de maneira abrangente a todos os países de proveniência do produto.
O Tratado de Assunção, de 26 de março de 1991, que criou o Mercosul, por sua vez, determinou que “em nenhum caso a aplicação de cláusulas de salvaguarda poderá estender-se além de 31 de dezembro de 1994”. Tal dispositivo foi fundado na crença, que resultou largamente equivocada, de que até aquela data já teria sido formado um mercado comum no bloco, o que impediria, em tese, a criação de salvaguardas.
Ocorre que o Acordo Salvaguardas da OMC é posterior e de hierarquia superior ao Tratado de Assunção. No entanto, as partes do Mercosul não aproveitaram a oportunidade legal para criar um mecanismo de salvaguardas intra-bloco. Esse existe em todos os acordos de comércio de última geração, à semelhança do Nafta e de todos os tratados de livre comércio assinados pela União Européia.
Ao contrário, Brasil e Argentina optaram por celebrar um acordo bilateral sobre salvaguardas fora do âmbito do Mercosul (sic), como se o problema da perda de competitividade de setores econômicos face a surtos de importação fosse alheio a Uruguai e Paraguai. Mais ainda, o acordo viola em diversos dispositivos o Acordo Salvaguardas da OMC, que tem hierarquia superior. Daí o uso do eufemismo MAC para tratar de salvaguardas.
Por conseguinte, o MAC é um duro golpe à ordem jurídica multilateral, bem como à estrutura legal do Mercosul. Por conseguinte, ao contrário do que pretendem seus idealizadores, trará maior insegurança jurídica às relações comerciais internas e prejudicará o clima de atração de investimentos à região. Mais ainda, o MAC favorecerá a fraude.
Como a salvaguarda argentino-brasileira é bilateral e sua aplicação é restrita ao sócio exportador apenas, o regime de quotas estabelecido no artigo 16 do MAC poderá ser facilmente burlado por operações triangulares fundadas em outros Estados do Mercosul, Paraguai e Uruguai. Essa fraude será mais facilmente prejudicada com os produtos argentinos de exportação ao Brasil, mercadorias agrícolas como arroz, vinho a granel, farinha, etc., do que com os produtos industrializados brasileiros.
Por outro lado, o regime de cobrança de uma tarifa externa comum menos 10% para os produtos do setor protegido sofrerá o mesmo fim das quotas, com as operações de triangulação, bem como com a falta de fiscalização nos postos de entrada dos produtos nas fronteiras brasileiras. O contrabando, que já é uma prática constante, tenderá a aumentar.
O MAC terá a duração de três anos e poderá ser prorrogado por um período de um ano. Um MAC provisório poderá ser adotado. Há prazos para os procedimentos administrativos que incluem tratativas entre os representantes do setor afetado de cada país. Um PAC (Programa de Adaptação Competitiva) será colocado em prática dentro de 90 dias da entrada em vigência de um MAC. Resta saber, na prática, qual a consistência de cada PAC face ao Acordo Subsídios da OMC.
O Estado exportador que tiver descontente com um PAC poderá recorrer a um grupo de peritos (sic), cuja regulamentação deixa a desejar como instrumento de resolução de disputas. Note-se ainda que o setor afetado não terá o direito de ação, mas sim o Estado.
O MAC é um triste capítulo da história do Mercosul.
Advogado admitido no Brasil, Inglaterra e Gales e Portugal. Formou-se em direito pela PUC-SP em 1975. Árbitro do GATT (General Agreement on Tariffs and Trade) e da OMC (Organização Mundial do Comércio), e professor de direito do comércio internacional na pós-graduação da Universidade Cândido Mendes (RJ).