INTRODUÇÃO

A questão da igualdade e da eqüidade no direito internacional tornou-se um dos principais temas estratégicos dos países em desenvolvimento nos foros multilaterais, devido ao crescente uso do arbítrio, do unilateralismo e do exercício arbitrário das próprias razões pelas potências hegemônicas, nas relações internacionais. O esforço de afirmação do direito internacional passa necessariamente pelo profundo exame de seu significado e extensão e pelo convencimento da opinião pública internacional de sua oportunidade e conveniência.

Procurei abordar o tema proposto da seguinte forma:

a. esta Introdução;

b. Igualdade e Eqüidade;

c. O Alcance do Direito Internacional;

d. A Eqüidade na Organização Mundial do Comércio; e

e. Conclusão.

IGUALDADE E EQÜIDADE

O conceito de igualdade vem freqüentemente acompanhado daqueles de liberdade e de justiça. Embora confundindo-se muitas vezes os três, a igualdade é o de mais dificultosa determinação, pelo caráter de necessária comparação de duas ou mais situações de fato e/ou de direito. Assim, como ensina Bobbio, o léxico nada significa de per si, a menos que duas perguntas básicas sejam respondidas: a) ´igualdade entre quem?´; e b) ´igualdade em que coisa?´[1]
Assim, a aplicação pragmática do conceito de igualdade depende duma possível pluralidade de entes, de critérios e/ou de normas. Desta maneira, o ponto de referência fundamental é o da ordem, equilíbrio, harmonia e/ou concórdia nas partes de um todo.

Contudo, como ocorre com todos os princípios, o mero conceito de igualdade não tem isoladamente eficácia a menos que reconhecido pela ordem de direito interno dos Estados. Transportando-se a igualdade para o universo jurídico, bem observa Bobbio que “a instauração de uma certa igualdade entre as partes e o respeito à legalidade são as duas condições para a instituição e a conservação da ordem, ou a harmonia do tudo, que é, para o observador desde a perspectiva da totalidade, e não das partes, o sumo bem”. [2]

Desta forma, o requisito da igualdade é um dos fatores essenciais para a determinação do “justo”. Neste ponto entramos no terreno controverso dos critérios de justiça, pois como separar a igualdade “justa” da igualdade “injusta”? Ou ainda, como bem observado por George Orwell, “all animals are equal, but some animals are more equal than others [3]
“, ou em vernáculo, “todos os animais são iguais, mas alguns são mais iguais do que os outros [4]
“.

Como, por exemplo, retribuir o papel social e econômico de cada indivíduo, segundo o mérito ou segundo a necessidade? São questões controversas que não tem consenso formado sequer no âmbito político interno, e consequentemente no ordenamento jurídico doméstico, dos estados soberanos. Pode-se facilmente imaginar que, no universo das relações internacionais e bem assim do direito internacional, a problemática torna-se ainda mais aguda.

De qualquer maneira, Bobbio propõe que a questão seja resolvida de acordo com a aplicação da chamada “regra de justiça”, segundo a qual ” se deve tratar os iguais de maneira igual e os desiguais de maneira desigual [5]
“. Evidentemente, trata-se de uma solução complexa para uma equação dificílima, no que depende ainda da determinação de critérios ulteriores, uma quase dosimetria a ser avaliada no caso a caso.

Neste momento entramos no universo da eqüidade, que é a aplicação da justiça ao caso concreto, segundo a lei. Quando não há uma lei específica a tratar de uma questão específica, cabe ao intérprete judiciário evitar o déni de justice, denegação de justiça, aplicando o conceito ex aequo et bono, de acordo com a igualdade e o bem, para buscar a eqüidade [6]
.

O ALCANCE DO DIREITO INTERNACIONAL

Por sua vez, o direito internacional público deve ser entendido como o sistema de tratados e normas regulando as relações internacionais entre estados soberanos, criando diversas obrigações para seus sujeitos, às organizações internacionais, e, de certa maneira, às pessoas físicas e jurídicas de direito privado. Feltham, por sua vez, observa que “o direito internacional é o corpo de leis que os Estados acordam em observar e que também inclui

a. as normas legais relativas ao funcionamento de organizações e instituições internacionais, suas relações uma com a outra, com Estados e com indivíduos; e

b. certas regras legais relativas a indivíduos e a entidades não-estatais, desde que os seus respectivos direitos e deveres sejam de interesse da comunidade internacional [7]“.

Assim, enquanto o direito interno de um país deriva de uma ordem jurídica reconhecida por uma Constituição promulgada por um poder constituinte, o direito internacional não tem a mesma legitimidade. Pelo, contrário, normas de direito internacional são criadas por estados soberanos para regulamentar suas relações entre si e com os demais sujeitos respectivos. O direito internacional difere ainda do direito doméstico em sua aplicação, já que sua primazia sobre o exercício arbitrário das próprias razões e o poderio bruto ainda está a ser verificada.

Desta maneira, o direito internacional e o exercício bruto do poder, que não são a mesma coisa, pelo contrário, freqüentemente aparecem como tal. A diplomacia é utilizada com tal propósito. O professor espanhol, Ridruejo leciona que “o direito internacional clássico foi, em suas origens, basicamente oligocrático, isto é, concebido por um pequeno grupo de grandes potências para servir e legitimar os seus interesses nacionais [8]
“. Lamentavelmente, de uma maneira geral, a situação continua a mesma.

Como resultado, muitos estudiosos questionam a mera existência do direito internacional, não somente pelo processo viciado de sua formulação, como também pelas dificuldades de execução de suas normas, ao contrário do que ocorre no direito doméstico. Muito embora estejamos muito longe da perfeição, este ponto de vista não merece prosperar, já que muitas normas de direito transnacional tem legitimidade e são exeqüíveis em diversos foros internacionais.

Assim, quando há uma disputa doméstica, que é um desacordo de fato ou de direito entre duas ou mais pessoas, tribunais internos podem dirimir a questão, de acordo com o chamado Estado de Direito. O Estado terá poder jurisdicional e agirá de acordo com o devido processo legal. No direito internacional privado, as disputas entre partes são submetidas à jurisdição de uma delas, de um terceiro país ou mesmo à arbitragem, e assim seguem todos os ritos do direito interno. Pode ainda ocorrer que uma questão seja submetida à jurisdição das duas partes num contrato, quando é trazida a uma para matéria de conhecimento e levada à outra para execução de sentença judicial ou do laudo arbitral. A eleição de lei de regência é igualmente flexível no âmbito do direito internacional privado, podendo ser a de qualquer das partes, ou ainda a de terceiro país.

Contudo, a situação muda drasticamente em matéria de direito internacional público, onde o direito é limitado e as instituições, imperfeitas e até mesmo viciadas, oneradas pelas limitações de execução. Assim, pelos padrões do direito doméstico, o direito internacional público é freqüentemente ilegítimo, sempre imperfeito e, nas mais das vezes, ineficaz.

O tribunal internacional de maior hierarquia é a Corte Internacional de Justiça (CIJ), em Haia, que é o principal órgão judicial da Organização das Nações Unidas (ONU). Somente Estados podem ter direito de ação perante a CIJ, cuja jurisdição compreende todos e quaisquer casos que sejam levados, bem como as questões especialmente tratadas na Carta da ONU, em tratados ou convenções. De acordo com os Estatutos da CIJ [9], as fontes de direito internacional são:

a. as convenções internacionais;

b. o costume internacional;

c. os princípios gerais de direito reconhecidos pelas nações civilizadas; e

d. doutrina legal e jurisprudência não mandatória [10].

Todavia, se as partes numa determinada disputa acordarem [11], a CIJ poderá decidir um caso com base na doutrina ex aequo et bono, de acordo com a igualdade e com o bem.

Desta forma, na hierarquia das normas internacionais, aparece em primeiro lugar a lei escrita, i.e., os tratados e convenções, seguidos pelo costume e pelos princípios gerais de direito. Apenas para fins de interpretação e determinação das regras legais, poderá ser utilizada subsidiariamente a jurisprudência e a doutrina jurídica. No âmbito do direito internacional é expressamente desautorizada a doutrina stare decisis, conhecida no Brasil como súmula vinculante. Como vimos, um caso poderá ser decidido com base na igualdade e no bem somente com autorização das partes envolvidas. Pelo já dito anteriormente, não deve surpreender ao observador a inexistência de precedentes significativos desta última modalidade.

A EQÜIDADE NA ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DO COMÉRCIO

CONCLUSÃO

Como visto, o sistema multilateral de comércio da OMC foi concebido e implantado como instrumento predatório de expoliação dos países em desenvolvimento, por um núcleo central de países desenvolvidos. Por estar totalmente viciado em sua concepção, implantação e operação, não se pode com propriedade falar de igualdade e de eqüidade no âmbito da OMC. “L´autorità ha um naso di cera che può essere deformato come si vuole” nas palavras de Alane di Cilla (séc. XII). Ao contrário, depara-se com um instrumental rapace altamente eficaz, erigido com base num exercício de bruto poder.

Impõe-se a reforma radical do sistema multilateral de comércio, com aperfeiçoamento do direito internacional, para que possa servir para a prosperidade de todos, ao invés da de uns poucos em detrimento de muitos. Para bem fazê-la, sua premissa maior será a igualdade.