SÃO PAULO – A advocacia na China tem origem há mais de 2.500 anos, na época de Confúcio (551-478 AC). O pensamento do grande filósofo chinês influenciou a construção do edifício do Direito com suas fórmulas éticas, jen; seus padrões comportamentais, li; e os meios sociais para a resolução de conflitos, tao. Sua filosofia expandiu-se por toda a Ásia de tal maneira que se sedimentou nas diversas culturas regionais, inclusive na Chinesa, e é altamente eficaz na prevenção de litígios. Explica-se assim o relativamente pequeno número de advogados na região.
Por outro lado, o pai da advocacia chinesa propriamente dita foi um contemporâneo de Confúcio, Deng Xi (545-501 AC). Tanto Deng Xi quanto Confúcio, e seu discípulo Meng Tsu (371-289 AC), promoveram a necessidade da prevalência da bondade humana e o direito de rebelião contra os governantes abusivos. Deng Xi fundou a primeira faculdade de direito na China, por volta de 510 AC, onde se propôs a ensinar ao povo chinês os seus direitos, iniciativa que não foi bem recebida pela aristocracia local, que o assassinou.
O Confucionismo foi uma verdadeira ortodoxia de Estado na China, até a proclamação da República, em 1911. Até essa data, a China tinha apenas um código penal e não um código civil, já que as relações cíveis eram reguladas pelo costume, fundado no Confucionismo. Uma nova era iniciou-se no país com a vitória da revolução comunista, que levou à criação da República Popular da China, em 1949, sob a liderança de Mao Tse Tung (1893-1976).
O regime comunista chinês valeu-se da experiência da URSS (União das Repúblicas Socialistas Soviéticas) na área jurídica, regulamentando a profissão em 1955. O advogado chinês era um funcionário público que tinha o título de “trabalhador jurídico estatal”. Por volta de 1957, havia cerca de 3 mil trabalhadores jurídicos do Estado em todo o território da República Popular da China.
Todavia, durante a chamada Revolução Cultural (1966-1976), que pretendeu remover a influência burguesa da sociedade chinesa, os advogados foram vítimas dos grandes arbítrios praticados e que, de resto, muito sofrimento trouxeram para todo o país e o seu povo. Com a morte do Camarada Mao, terminou também o movimento e deu-se, por volta de 1980, a primavera jurídica na China, com a edição do Regulamento Provisório dos Advogados.
Nessa época, o advogado chinês ainda era um funcionário do Estado, trabalhando em departamentos consultivos existentes em diversas repartições públicas. O título do advogado continuou a ser o mesmo. A ênfase do trabalho jurídico estava no serviço ao Estado e às cooperativas. O advogado e as ordens de advogados, criadas a partir de 1984, eram subordinados ao Estado. Por conseguinte, o advogado não era independente e nem podia organizar-se em escritórios de advocacia. O Judiciário era ainda composto por oficiais reformados do Exército Vermelho.
Contudo, com as alterações políticas e econômicas havidas na China, a partir de 1989, a organização soviética da advocacia tornara-se anacrônica e não mais ia de encontro aos interesses nacionais. Dessa maneira, em 1996, um novo Estatuto da Advocacia entrou em vigor liberalizando a profissão. O advogado foi definido nesse diploma legal como um profissional jurídico que presta serviços ao público, de acordo com a lei.
A profissão tornou-se independente. Os advogados chineses são hoje em número de aproximadamente 110 mil, dos quais 2 mil são especialistas em direito internacional. Eles podem livremente se organizar em escritórios de advocacia, que já somam a mais de 10 mil. As ordens de advogados passaram a realizar os exames de admissão à profissão, com índice de reprovação semelhante aos brasileiros. Os cursos jurídicos, de muito boa qualidade, proliferaram-se. Juízes e membros do ministério público são egressos desses cursos e submetem-se a concursos públicos e transparentes.
Escritórios estrangeiros foram autorizados a se instalar no país para a prestação de serviços de consultoria no direito do país de origem. O escritório de que sou sócio, Noronha Advogados, foi o primeiro escritório latino a ter gabinetes próprios em Xangai, China, em 2001, onde temos 4 profissionais. O governo chinês estima um número de 200 mil advogados para o ano de 2010, o que ainda é pequeno para uma população de 1,3 bilhão de pessoas, mas já significará o quarto maior contingente de advogados no mundo, depois dos Estados Unidos da América, Índia e Brasil.
O Cietac (Centro de Arbitragem Internacional da China), com sede na capital, Beijing, onde sou árbitro credenciado, é a principal organização do gênero na Ásia e uma das principais no mundo, com regras modernas e eficientes e com custos altamente competitivos. A China está a tornar-se uma potência mundial também na área jurídica.
Advogado admitido no Brasil, Inglaterra e Gales e Portugal. Formou-se em direito pela PUC-SP em 1975. Árbitro do GATT (General Agreement on Tariffs and Trade) e da OMC (Organização Mundial do Comércio), e professor de direito do comércio internacional na pós-graduação da Universidade Cândido Mendes (RJ).