Em primeiro lugar, o artigo ignora o fato de que o Brasil é uma democracia consolidada, com controles e contrapesos consolidados solidamente no regime do Estado de Direito, bem como na atuação livre da imprensa e na influência da opinião pública. Segue-se que a Constituição brasileira, ex vi do disposto no artigo 21, XXIII, “a”, só permite a atividade nuclear em território nacional para fins pacíficos e mediante aprovação do Congresso. Em terceiro lugar, a política externa brasileira, caracterizada pelo bonum faciendum, male vitandum, é tão marcadamente construtiva e caracterizada pela solidariedade e benignidade que serve de referencial de excelência para o mundo. Mais ainda, o Brasil é signatário dos principais tratados de regência sobre a matéria, tanto multilaterais como regionais.
De fato, o Brasil é signatário do Tratado de Não Proliferação de Armas Nucleares (TNP) de 1968, que administra o sistema de inspeções e garantias através da Agência Internacional de Energia Atômica (IAEA), do Tratado de Tlatelolco, de 1967, que cria uma zona livre de armas nucleares na América Latina, e de protocolo com a Argentina, administrado pela Agência Brasileiro-Argentina de Contabilidade e Controle de Materiais Nucleares (ABACC). O TNP assegura o direito à pesquisa nuclear para fins pacíficos, sem discriminação, ex vi do disposto em seu artigo IV.
Por muitos anos, o Brasil resistiu ex quaestio principii à celebração do TNP, assinado pelo país apenas em 1998, devido à natureza discriminatória do mesmo, que permite a posse de armas nucleares apenas a um núcleo central de países, justamente aqueles que, como os Estados Unidos da América (EUA) e o Reino Unido, são universalmente percebidos como os sistemáticos e principais violadores do direito internacional.
A situação de disparidade, mala consuetudines, leva muitos países a tentar desenvolver seus próprios armamentos nucleares, como deterrentes do arbítrio potencialmente advindo dos EUA e do Reino Unidos. Este não é o caso do Brasil, como bem lembrado pelo embaixador brasileiro, J. M. Bustani, em esclarecedora carta dirigida àquele periódico, a respeito do artigo sob análise. Assim, o foco diplomático de desenvolvimento do direito internacional na área de política nuclear deve ser, certamente, o de aplicar a norma de desarmamento aos países que detém o aparato bélico atômico, juntamente com a prevenção. Principalmente quando os principais arsenais hoje disponíveis estão sob o controle daqueles que pouco respeito têm ao direito internacional.
Para o Reino Unido, em particular, há outras prioridades diplomáticas que mereceriam atenção da editora do “The Times”, dentre elas a questão da desestabilização de organismos internacionais por ação de seu governo, como houve recentemente nos casos da Organização para a Proibição das Armas Químicas (Opaq) _que tratei nesta coluna em artigo denominado “A desestabilização dos organismos internacionais: o caso da Opaq” e da Organização das Nações Unidas, na guerra ilegal contra o Iraque. O próprio caso desse conflito ilegal continuado e dos crimes praticados pelas forças de ocupação contra a população civil e combatentes (v. “A deconstrução do direito internacional e o império da barbárie”) está por merecer um maior cuidado no Reino Unido.
Assim, não se pode imaginar que uma editora internacional de um jornal de tamanho prestígio como o “The Times” possa ser despreparada ao ponto de incidir numa comparação entre o Brasil e o Irã, que seria prontamente afastada por qualquer intelecto de mínima educação. Pode ser que ela tenha sido utilizada por interesses hegemônicos incomodados pelas tentativas de criação de um novo e eqüitativo direito internacional pelo Brasil, dentre outros membros responsáveis da comunidade das nações? Veritas filia temporis.
Advogado admitido no Brasil, Inglaterra e Gales e Portugal. Formou-se em direito pela PUC-SP em 1975. Árbitro do GATT (General Agreement on Tariffs and Trade) e da OMC (Organização Mundial do Comércio), e professor de direito do comércio internacional na pós-graduação da Universidade Cândido Mendes (RJ).