Rio de Janeiro – A AGU (Advocacia Geral da União) tem suas atribuições conceituadas pela Constituição Federal como a representação da União Federal tanto judicialmente como na assessoria e aconselhamento do Poder Executivo, conforme expresso em seu artigo 131. Evidentemente, a Constituição refere-se à advocacia em território nacional, segundo o direito brasileiro, para a qual os quadros da AGU foram estruturados.
Assim, os profissionais da AGU são recrutados mediante concursos públicos de provas e títulos dentre advogados formados no Brasil, com registro na OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) e com dois anos de prática forense doméstica. Dentre os 200 itens da prova objetiva de seleção, apenas 12 dizem respeito ao direito internacional público.
Mais ainda, das provas de seleção não está incluída a disciplina do direito internacional privado, onde se estuda a fundamental questão do conflito de leis, a primeira a emergir em qualquer disputa transnacional. Igualmente, o direito do comércio internacional também é ignorado.
Na mesma linha, chama a atenção a ausência de provas de línguas estrangeiras e, no concurso dos títulos, não é considerada a qualificação como advogado em outros países, o objetivo mais difícil para qualquer profissional. Menos de 1% daqueles com mestrado e/ou doutorado fora conseguem a qualificação como advogado perante a ordem da jurisdição respectiva.
Assim, a AGU é uma instituição com uma missão constitucional e estrutura voltada para a representação da União no território nacional, em direito doméstico. Em questões fora do país, o advogado-geral não tem locus standi e, assim, a República Federativa do Brasil tem tradicionalmente feito se representar por advogados qualificados na jurisdição do conflito.
Na semana passada, o atual advogado-geral da União divulgou um projeto pelo qual será criada uma procuradoria internacional para atual em casos de interesse do governo brasileiro no exterior. Para tanto, a AGU buscaria ter advogados formados e qualificados no exterior e, obviamente, fluentes no idioma do país da qualificação. Tais advogados ficariam lotados nas embaixadas brasileiras.
A iniciativa não tem precedentes internacionais com sucesso. O único caso anterior de que se tem notícia é o da República Popular da China, durante a Revolução Cultural, de 1966 a 1976, onde existiu um escritório internacional com 11 ?trabalhadores jurídicos do Estado?, nenhum dos quais qualificado no exterior.
Qualquer profissional experiente nas questões transnacionais sabe que a idéia é disparadada, por muitos motivos. O aprendizado de uma língua estrangeira em nível de fluência necessário ao contencioso é dificilmente alcançado. As embaixadas brasileiras não são escritórios de advocacia, não oferecem prática jurídica e, muitas vezes, não têm sequer diplomatas com fluência no idioma local, como ocorre no caso da China.
Melhor faria o advogado-geral se começasse sua exploração internacional por encomendar um estudo sobre como funciona a advocacia pública em outros países e o examinasse à luz do gigantismo burocrático que atingiu a AGU e da razão de seu custo com sua eficácia.
Advogado admitido no Brasil, Inglaterra e Gales e Portugal. Formou-se em direito pela PUC-SP em 1975. Árbitro do GATT (General Agreement on Tariffs and Trade) e da OMC (Organização Mundial do Comércio), e professor de direito do comércio internacional na pós-graduação da Universidade Cândido Mendes (RJ).