São Paulo – Diante da crise financeira mundial originada nos EUA (Estados Unidos da América) e ali sentida com maior intensidade, o governo daquele país, com sólidas tradições em ditar a ordem política global, não hesitou em convocar uma reunião de cúpula para o próximo dia 15 de novembro, a se realizar em Washington, D.C., dentre representantes das 20 principais economias mundiais, para reformular o sistema financeiro internacional.
Tal iniciativa foi tomada apesar da total falta de credibilidade, tanto doméstica quanto internacional, do governo Bush, cuja política externa é responsável por inúmeros crimes de guerra e fiador do caos que se abate sobre a economia americana. Tal quando fizeram em outras ocasiões, como em Bretton Woods, no final da Segunda Guerra Mundial, os EUA procuram formatar a nova ordem financeira internacional a resultar da presente crise.
O modelo utilizado será, como invariavelmente tem sido há mais de 60 anos, o de atender os percebidos interesses estratégicos dos EUA, como a sua moeda, o seu sistema financeiro, sua balança comercial e o seu balanço de pagamentos. O custo, evidentemente, deverá ser pago pelos demais países, principalmente aqueles em desenvolvimento, mas também por tradicionais Estados clientes.
A lógica perversa que instrui tal modelo vem da chamada doutrina do Manifesto Destino que autoriza a cobrança de tributos pelo Império, com a mesma truculência que exigia o Ciro, o persa Rei dos Reis, aos seus vassalos há mais de 2.500 anos. A natureza desse infame tributo é em suma a aceitação do conceito da promoção da prosperidade seletiva de uns poucos em detrimento dos muitos, que instrui a presente ordem mundial e é consagrada em todos os organismos multilaterais, embora mais contundentemente no obsoleto FMI (Fundo Monetário Internacional) e na desmoralizada OMC (Organização Mundial do Comércio).
Habituados a se posicionarem de forma estratégica a serem beneficiários secundários da abjeta ordem internacional, os 27 Estados da UE (União Européia) já se coordenam para adotar uma posição única para os entendimentos da cimeira de Washington, tendo marcado uma reunião com tal objetivo para o dia 7 de novembro próximo futuro.
Posteriormente, como é prática no relacionamento entre os poderes hegemônicos, os EUA e UE afinarão suas propostas conjuntamente e tentarão impô-las aos demais participantes do exercício, tal como tem sistematicamente ocorrido no passado, com conseqüentes graves danos para as vítimas deste conluio fraudulento que se está por montar.
De nossa parte, pouco evoluiu, desde Bretton Woods, o perfil da diplomacia brasileira, que certamente estará encarregada de representar os interesses do Brasil. De certo, não seremos pró-ativos, mas apenas reativos e procuraremos, na medida do possível e do conveniente, limitar os danos mais estremados e promoveremos o perfil de nosso negociador principal, perante a opinião pública, como um dos formuladores principais do modelo a ser adotado.
Enquanto os países hegemônicos e predadores preparam para a reunião de cúpula suas propostas, a diplomacia brasileira promovia nos últimos dias encontros estéreis e pouco oportunos no âmbito do Mercosul, onde se discutiu a questão de salvaguardas intra-bloco (sic); dentre os países do grupo denominado IBAS (Índia, Brasil e África do Sul), onde se reafirmou a “necessidade de estruturas mais democráticas de governança global”; e sobre as relações bilaterais Brasil-Cuba.
Tais questões e parceiros são, de fato, importantes, porém a gravidade do momento atual e sua combinação com os elementos de alto risco e limitada oportunidade da cimeira, exigem que a prioridade seja dada ao iminente evento a tomar lugar em Washington, em Novembro. Para tanto, o Brasil deveria formular propostas e negociá-las previamente com os principais países em desenvolvimento.
A situação se apresenta ainda mais grave porque provavelmente o Brasil será representado nas tratativas por seu chanceler, Celso Amorin, um diplomata que acumula graves fracassos e danos ao país nas negociações em que esteve envolvido, como na Rodada Uruguai do GATT, na formatação da agenda das negociações da Alca, bem como na Rodada Doha da OMC.
O custo de um fracasso de nossos negociadores na cúpula de Washington será elevadíssimo e pago pelas próximas gerações de brasileiros, que terão comprometidas a prosperidade nacional e a realização de nosso potencial.
Advogado admitido no Brasil, Inglaterra e Gales e Portugal. Formou-se em direito pela PUC-SP em 1975. Árbitro do GATT (General Agreement on Tariffs and Trade) e da OMC (Organização Mundial do Comércio), e professor de direito do comércio internacional na pós-graduação da Universidade Cândido Mendes (RJ).