O protecionismo agrícola, caracterizado por enormes desembolsos de subsídios, para além de picos tarifários e de barreiras não tarifárias, tem promovido a miséria e a desesperança numa escala global desde há muito tempo.
O protecionismo, em primeiro lugar, desmoraliza o regime multilateral da OMC (Organização Mundial do Comércio) porque tolera um regime de economia administrada num ordenamento jurídico soi-disant liberal. Acresce que os subsídios impedem o desenvolvimento da agricultura nos países em desenvolvimento, gerando crises econômicas e alimentares. Os subsídios causam também enormes prejuízos aos produtores em regime de mercado, como os brasileiros, porque lhes negam acesso a mercados potenciais. Por outro lado, os subsídios oneram o contribuinte dos países desenvolvidos e penalizam os seus consumidores.
Pois bem, recentemente uma recuperação do valor das mercadorias agrícolas tem levado a uma exacerbação retórica do problema, com ampla acolhida nos órgãos de imprensa, e a sua transposição para críticas aos programas de bio-energia desenvolvidos por vários países, mas notadamente pelo Brasil. De fato, os preços dos alimentos denominados em dólares norte-americanos cresceram aproximadamente 78% nos últimos três anos. É certo ainda que parte dessa majoração de preços é devida ao aumento do custo do petróleo e à crise dos mercados financeiros que privilegiou investimentos em mercadorias agrícolas.
Contudo, dessa valorização deve ser descontada a depreciação das mercadorias agrícolas havidas desde o lançamento da Rodada Uruguai do GATT, em 1986. De fato, daquele ano até 1995, data da fundação da OMC, os preços dos alimentos caíram 60%. De 1995 até 2006, os preços agrícolas voltaram a cair mais 60%. Mais ainda, durante este período de 20 anos, a inflação do dólar americano foi de 66%. Tais números indicam que o valor real dos alimentos nos dias atuais ainda não atingiu o patamar de 1986.
Durante o período de 1986 a 2006, o lobby protecionista agrícola da UE (União Européia), dos Estados Unidos da América, do Japão e da Suíça pretendeu primeiramente excluir o setor agrícola do regime multilateral da OMC, como o fazia desde 1947. Com a inclusão do setor na ordem jurídica multilateral, em 1994, os protecionistas conseguiram a manutenção e majoração dos programas diretos e indiretos de subsídios que desembolsam cerca de US$ 1 bilhão ao dia.
De qualquer maneira, o grupo de pressão protecionista usou, durante o período supra mencionado e com grande eficiência, o argumento da depressão dos preços agrícolas como justificativa para a manutenção dos desembolsos das montanhas de dinheiro à guisa de subsídios, pelos respectivos governos. O poder desse lobby vem do peso eleitoral direto na política interna dos países desenvolvidos, bem como da capacidade de influenciar a opinião pública doméstica como um todo.
Com a recuperação ainda incipiente dos preços, o grupo de pressão agrícola alterou a justificativa, mas não o objetivo de obter pagamentos oficiais como suplemento à sua atividade ao mesmo tempo pouco competitiva e distorciva dos mercados. Agora, conforme a linha sofística atual, a manutenção dos subsídios seria necessária para o combate à fome (sic), quando o efeito real é exatamente o oposto.
À frente do movimento está, como sempre, a UE, liderada pelo governo conservador francês e pelas forças radicais de direita do novo governo recém eleito da Itália. Na Europa, a PAC (Política Agrícola Comum), responsável pelos subsídios, representa historicamente mais de 50% do orçamento total da UE, o que nos leva a concluir que as comunidades européias têm como principal raison d’être a distorção dos mercados agrícolas mundiais. Por sua vez, os EUA, menos vocais mas não menos devastadores em sua ação, preparam uma nova Farm Bill, com o tradicional objetivo de majorar os subsídios de seu setor agrícola.
Tudo isso representa uma má notícia para os trabalhos de conclusão da Rodada Doha da OMC, penosamente em andamento desde 2001, já que os países desenvolvidos provavelmente não melhorarão as parcas e insuficientes ofertas feitas para a diminuição dos subsídios praticados no futuro próximo. Para o Brasil, o debate se reveste da mais alta importância, já que o país tem mais áreas agriculturáveis do que os principais produtores em conjunto. Acresce que são as exportações do agronegócio que garantem o superávit comercial brasileiro e cerca de 37% dos empregos e outro tanto de nosso Produto Interno Bruto.
Advogado admitido no Brasil, Inglaterra e Gales e Portugal. Formou-se em direito pela PUC-SP em 1975. Árbitro do GATT (General Agreement on Tariffs and Trade) e da OMC (Organização Mundial do Comércio), e professor de direito do comércio internacional na pós-graduação da Universidade Cândido Mendes (RJ).