A tirania externa, manifestada na invasão ilegal do Iraque, compromete os direitos humanos e as liberdades democráticas dentro dos Estados opressores. Exemplo disso foi a aprovação, no início do ano, da Prevention of Terrorism Bill, conjunto de leis antiterror que limitou, de forma expressiva, no Reino Unido, as liberdades democráticas e o próprio recurso ao habeas-corpus.
Os termos draconianos da lei não impediram os ataques do dia 7 e do dia 21, os primeiros praticados por pessoas nascidas no Reino Unido e, certamente, alienadas ou de outra forma marginalizadas do caudal cultural britânico. De forma trôpega e incompetente, o governo de Tony Blair, desacreditado em seu país, baixou medidas ulteriores de segurança que implicam na adoção do assassinato como política de Estado. É a Operação Kratos (de “força”, em grego), na qual a polícia pode atirar para matar contra suspeitos de terrorismo.
Tal licença resultou na execução de Jean Charles de Menezes, por integrantes provavelmente das forças especiais SAS, à paisana, após perseguição que aterrorizou, além da própria miserável vítima, as testemunhas, o público e as minorias étnicas. É uma violação do Direito Internacional de regência e implica na responsabilização criminal dos executores e seus responsáveis.
A Convenção Internacional dos Direitos Civis e Políticos, adotada pela Resolução 2.200-A das Nações Unidas, em 1966, consagra em seu artigo 6 que “o direito à vida é inerente à pessoa humana. Deverá ser protegido pela lei. Ninguém poderá ser arbitrariamente privado de sua vida”.
Da mesma forma, a Convenção Européia de Direitos Humanos, parte integrante do direito inglês e britânico, dispõe que “o direito de todos à vida deverá ser protegido. Ninguém será deprivado intencionalmente de sua vida, a menos que na execução de uma sentença de um tribunal, seguida de condenação por um crime que comine tal pena”.
Não há pena de morte na União Européia. O bloco opõe-se à ela em todos os casos e trabalha por sua abolição internacional. Portugal foi o primeiro país europeu a abolir a pena de morte, em 1867, e o Reino Unido, o último, 100 anos após.
No passado, as forças armadas britânicas foram acusadas de crimes nos conflitos na Irlanda do Norte. As investigações internas conduzidas freqüentemente levaram a nada e os criminosos não somente continuaram impunes, mas foram em alguns casos reintegrados aos serviços de origem. No caso presente, o governo acena com uma investigação similar e um pedido de desculpas, o que deverá ser considerado absolutamente inaceitável pelas autoridades brasileiras.
A diplomacia brasileira deverá insistir em que os responsáveis sejam levados a um tribunal penal, britânico ou internacional, nos termos dos tratados ratificados pela União Européia e pelo Reino Unido.
Advogado admitido no Brasil, Inglaterra e Gales e Portugal. Formou-se em direito pela PUC-SP em 1975. Árbitro do GATT (General Agreement on Tariffs and Trade) e da OMC (Organização Mundial do Comércio), e professor de direito do comércio internacional na pós-graduação da Universidade Cândido Mendes (RJ).