LONDRES – Há tempos, nessa coluna, analisei como a tirania externa, manifesta pela invasão ilegal do Iraque, vem inexoravelmente a comprometer os Direitos Humanos e as liberdades democráticas no âmbito interno dos Estados opressores. Naquela oportunidade, discorri a respeito da aprovação, no início do ano corrente, da Prevention of Terrorism Bill, ordenamento de prevenção ao terrorismo, que limitou no Reino Unido, de maneira expressiva, as tradicionais liberdades democráticas e o próprio recurso ao habeas corpus. Aos interessados, recomendo a releitura de meu artigo “A tirania externa como ameaça às liberdades democráticas, o caso inglês”.



Como as tristes notícias demonstram cabalmente, os termos draconianos da lei não impediram o atentado perpetrado em 7 de julho e nem preveniram uma ação semelhante renovada no dia 21 de julho, a primeira das quais praticada por pessoas nascidas no Reino Unido e, certamente, alienadas ou de outra forma marginalizadas do caudal cultural britânico.



De maneira trôpega e incompetente, o governo britânico liderado pelo líder trabalhista, Tony Blair, um homem desacreditado em seu próprio país, houve por bem baixar medidas ulteriores de segurança que implicam na adoção do assassinato como política de Estado. De fato, as autoridades britânicas criaram a assim chamada Operação Kratos (de força, em grego), de acordo com a qual núcleos especiais das forças armadas inglesas podem atirar para matar contra suspeitos de terrorismo.



A criminosa política adotada resultou, na sexta-feira passada (22/7), na execução pública do operário brasileiro Jean Charles Menezes, que caiu brutalmente assassinado por elementos integrantes provavelmente das forças especiais SAS, à paisana, após perseguição que aterrorizou além da própria miserável vítima, as testemunhas oculares, o público em geral, e os membros das minorias étnicas.



A política de assassinato como política de Estado é uma grande violação do direito internacional de regência e implica na responsabilização criminal de seus responsáveis, bem como dos executores. De fato, a Convenção Internacional dos Direitos Civis e Políticos, adotada pela Resolução 2.200-A da Assembléia Geral das Nações Unidas, de 16 de dezembro de 1966, consagra em seu artigo 6 que: “O direito à vida é inerente à pessoa humana. Este direito deverá ser protegido pela lei. Ninguém poderá ser arbitrariamente privado de sua vida.”



Da mesma forma, a Convenção Européia de Direitos Humanos que, como o tratado anteriormente mencionado, é parte integrante do direito inglês e britânico, dispõe que “o direito de todos à vida deverá ser protegido pela lei. Ninguém será deprivado intencionalmente de sua vida, a menos que na execução de uma sentença de um tribunal, seguida de sua condenação por um crime que comine tal pena.”



Note-se ainda que não há pena de morte na União Européia e que o bloco comercial opõe-se ademais à pena capital em todos os casos e trabalha por sua abolição internacional. Portugal foi o primeiro país europeu a abolir a pena de morte em 1867 e o Reino Unido o último, cerca de cem anos depois.



No passado, as forças armadas britânicas foram acusadas da prática de crimes do gênero durante os conflitos na Irlanda do Norte. As investigações internas conduzidas levaram a nada e os criminosos não somente continuaram impunes, mas foram em alguns casos reintegrados aos serviços de origem. No caso presente, o governo britânico acena com uma tal investigação interna e com um pedido de desculpas, o que deverá ser considerado absolutamente inaceitável pelas autoridades brasileiras.



A diplomacia brasileira deverá insistir em que os responsáveis sejam levados a um tribunal penal, britânico ou internacional, nos termos dos tratados ratificados pela União Européia e pelo Reino Unido.