Londres – Após aproximadamente 40 anos de tentativas da parte do país oriental, começaram nesta segunda-feira (3/10), formalmente em Luxemburgo, as negociações para a acessão da Turquia à UE (União Européia), sob forte oposição da maioria das populações dos 25 integrantes do bloco comercial. Esse repúdio, que chega a 80% dos eleitores austríacos, é também majoritário na Alemanha, França, Espanha e até mesmo no RU (Reino Unido), país que tem, há anos, apoiado a pretensão turca.

A oposição existente não deve ser menosprezada, por ser fundada em sólidos argumentos geográficos, históricos, sociológicos, lingüísticos, religiosos, econômicos e políticos. De fato, não se pode dizer que a Turquia seja um país europeu nem ao menos no sentido geográfico do termo, já que quase a totalidade do seu território está situada na Ásia e faz fronteiras com o Irã, o Iraque e a Síria.

A população turca, de cerca de 70 milhões de pessoas, é asiática, quase que totalmente (99,8%) muçulmana, e fala línguas não européias, a principal das quais é o turco, que até os princípios do século passado era escrito com caracteres árabes. Economicamente, a Turquia é ainda uma sociedade primordialmente agrícola, dependendo em 46% da agricultura para a geração de empregos, contra 20% da indústria e 34% do setor de serviços, perfil que também contrasta dramaticamente com a média da UE.

Historicamente, há quase 3.000 anos, o território da Turquia foi ocupado por potências em conflito com Estados ocidentais. Desde antes de Alexandre o Grande, os reinos gregos e macedônicos estavam em conflito com a Pérsia, que ocupava os respectivos territórios de então. Alexandre o Grande celebrizou-se em sua campanha oriental. Por sua vez, Roma esteve muitas vezes em conflito com Pontus e outros reinos da região.

Com a queda de Roma, o Império Romano do Oriente, de cultura cristã e grega, com sede em Constantinopla, esteve em constante conflito com o oriente, em especial após a disseminação de uma religião rival e expansionista, o Islã, na região. A queda de Constantinopla, em maio de 1453, foi um dos eventos seminais da história moderna, alterando de maneira substancial a geo-política mundial e lançando o incentivo comercial às descobertas marítimas, que resultaram por sua vez em novas relações econômicas e políticas.

A bandeira turca traz a lua minguante, ao invés da crescente, símbolo do Islã, porque era aquela que se mostrava quando da conquista de Constantinopla. A expansão turca seguiu-se a essa façanha, tendo os invasores dominado toda a região dos Balcãs e até mesmo sitiado Viena, no início do século 17. A cruel ocupação da Grécia, outro estado membro da UE, durou cerca de 4 séculos, terminando apenas no século 19, com a independência. O império da Porta Sublime estendeu-se até o Egito, na África, compreendendo ainda todo o Oriente Próximo.

Durante a primeira guerra mundial, a Sublime Porte alinhou-se com as potências centrais européias, ao final derrotadas, tendo sido desmembrado o Império Otomano, substituído por novos países independentes criados pela Convenção de Versalhes, mas também por zonas de influência, ou de ocupação, das potências ocidentais, notadamente o RU e a França.

Desde a revolução de Atatürk, em 1923, a Turquia vem se modernizando e instituiu instituições governamentais laicas. Todavia, o país é ainda hoje uma sociedade rural e um país em desenvolvimento, com um déficit comercial acumulado nos últimos 12 meses de US$ 39 bilhões e um déficit em conta corrente de US$ 20 bilhões, no mesmo período. Sua dívida externa aproxima-se do valor do PIB.

A Turquia, durante a guerra fria, tornou-se também um membro da Otan (Organização do Tratado do Atlântico Norte) e, politicamente, um estado cliente dos EUA (Estados Unidos da América). Este último passou a advogar o ingresso da Turquia na UE, não apenas como forma de fazer cortesia com o chapéu alheio, mas principalmente para inviabilizar a consolidação política do bloco, potencialmente um rival estratégico. Isso é o caso, porque a absorção de um país com tamanhas diversidades traria, no âmbito da UE, uma crise institucional tal a impedir progressos de integração política, ou ao menos retardá-los.

Por sua vez, o RU, que é o principal estado cliente dos EUA na UE, bem como o seu cavalo de Tróia no bloco, apoiou no início a acessão turca de maneira atipicamente cândida, com o objetivo declarado de alargar para não integrar. Posteriormente, a diplomacia britânica retomou as piores tradições da pérfida Albion, para tentar justificar sua posição como forma de aliviar as tensões religiosas mundiais intensificadas após o 11 de setembro.

De qualquer maneira, serão longas as negociações de acessão. Estima-se que levem cerca de 10 anos até sua conclusão. No período, as pressões internacionais sobre a UE para a eliminação dos subsídios agrícolas deverão ter sucesso, ainda que relativo. O sucateamento da PAC (Política Agrícola Comum) da UE deverá eliminar um dos principais atrativos para a acessão da Turquia ao bloco. O outro é a livre movimentação de pessoas.