Felipe Frisch
O caso da modelo Daniela Cicarelli, que fez com que o site YouTube ficasse fora do ar para diversos usuários durante pelo menos 24 horas, deixou advogados que atuam com questões relacionadas à privacidade na internet em estado de alerta. Apesar de não haver uma legislação clara e específica que regule os casos envolvendo o direito de imagem no mundo digital, a decisão contrariou o que tem sido a tendência dos Tribunais de Justiça (TJs) em situações semelhantes: a de não responsabilizar civil ou criminalmente os provedores do conteúdo polêmico, já que em geral atuam como meros distribuidores.
Em uma análise dos 358 casos que tratam de privacidade na internet e que chegaram à segunda instância do Judiciário – os TJs – de todo o país desde 2000, o advogado especialista Renato Opice Blum constatou que apenas cinco chegaram ao Superior Tribunal de Justiça (STJ), mas com especificidades que impedem a consolidação de uma jurisprudência em torno do tema na instância superior. Nos TJs, a tendência tem sido a de exigir apenas a retirada do conteúdo do ar pelos provedores, que têm cumprido as decisões temendo as vultosas multas aplicadas. Já a responsabilidade civil e a criminal ficam por conta de quem, de fato, colocou o conteúdo polêmico à disposição na rede.
As multas e indenizações têm sido a grande arma contra esse tipo de conflito na internet, o que aumenta o risco de esse mercado virar uma grande indústria de processos. Os montantes podem variar de R$ 10 mil por dia – valor freqüentemente cobrado do provedor que não identificar o usuário que praticou o ato – a R$ 50 mil contra quem praticou o uso indevido de uma marca ou difamou a imagem de alguém, por exemplo. No caso do YouTube, foi estipulado um valor de R$ 250 mil ao dia contra o site. Os casos pedindo quebra de sigilo são os mais comuns: apenas o escritório de Opice Blum cuida de mais de 200 ações do tipo.
O advogado explica que a tendência da Justiça brasileira tem sido a de, inicialmente, responsabilizar o provedor, que se livra de penalidades se retira o conteúdo do ar no prazo exigido. Este foi o caso do YouTube, que, na ação de setembro do ano passado havia retirado o vídeo nos endereços conhecidos. O que surpreendeu foi a responsabilização do site no recurso ao Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) por não ter evitado a volta do conteúdo.
O entendimento da Justiça imunizando o provedor que cooperar está alinhado com a grande referência em legislação internacional sobre o tema – a lei americana Digital Millenium Copyright Act (DMCA), explica o advogado Marcelo Goyanes, do Veirano Advogados. Na avaliação dele, a legislação brasileira que tem estimulado celebridades a acionarem sites interativos é o artigo 20 do novo Código Civil, que prevê que o uso de imagens pode ser proibido por seu dono em casos de finalidade comercial ou com conteúdo difamatório.
O advogado Marco Antonio Sabino, do Koury Lopes Advogados, avalia que a jurisprudência do STJ para o "mundo real" diz que uma imagem de "top less" feita em uma praia não constitui violação de imagem se for publicada em um jornal. Por analogia, essa posição também teria sido contrariada. De modo geral, diz, a Justiça pesa a relevância da informação contra o direito à privacidade. Ganha o que for considerado mais importante.
Para o advogado Durval de Noronha, do Noronha Advogados, que atua no Brasil para o Google – e, portanto, para o Orkut, alvo de 44 ações do Ministério Público -, há dificuldade em fazer valer as decisões do Judiciário brasileiro em função de muitos sites estarem no exterior, fato associado à ausência de tratados internacionais com os países-sede. Para o presidente da Associação Brasileira dos Provedores (Abranet), António Tavares, a reação ao caso Cicarelli desestimula este tipo de ação, cuja tendência é ser resolvida por auto-regulação, em sua opinião.