Balanço negativo das corporações ficou evidente e fez com que transações aumentassem
Compra de empresa falida vira bom negócio com a crise
Especialistas afirmam que, antes da compra, é preciso ter cuidado
Helenice Laguardia
A compra de empresa em dificuldade financeira, prática comum nos Estados Unidos, também cresceu no Brasil depois que a crise econômica descobriu os balanços negativos das corporações. Se você não viu alguma lógica no negócio é só rever o filme "Uma Linda Mulher". Nele, o ator Richard Gere comprava companhias falidas e depois fatiava a empresa com lucro milionário.
No Brasil, o preço de venda da empresa vai variar caso a caso. "Dependerá do valor de suas dívidas e do desempenho dos negociadores envolvidos", explica a advogada especialista em direito empresarial, Mirella da Costa Andreola.
Em Minas Gerais, um dos sócios do escritório Guimarães & Vieira de Mello, Marcello Vieira de Mello afirma que o negócio é promissor principalmente nos setores siderúrgico, de prestação de serviços, mineração e varejo.
Mas o advogado faz um alerta: "Muitas vezes a empresa está tão contaminada que não vale o risco, principalmente quanto aos passivos trabalhista, fiscal e tributário. O trabalhista é o que tem mais problema", adverte aos futuros compradores de empresas em dificuldades.
A nova Lei de Falência também é um item a observar no cenário atual de compra e venda de corporações endividadas. "A lei substitui a concordata pela recuperação judicial mudando o paradigma", observa o advogado.
Caminhos. A nova lei enumera vários caminhos para a empresa que está em dificuldades. "Pode propor um parcelamento em até dez anos, falar para os credores assumirem a empresa e ainda a possibilidade de venda para pagar credores, como aconteceu na Varig", disse Vieira.
Marcello Vieira não cita nomes de clientes, mas o auditor Juércio Magalhães Gomes lembra de uma negociação cheia de capítulos da qual participou. Começou com a Paraopeba Industrial, em 1972, no município de Paraopeba, que comprou a Marzagão, empresa de tecidos com sede em Sabará. Seis anos depois, a Companhia Cedro Cachoeira incorporou as duas.
Com sede em Belo Horizonte, a Cedro adquiriu o acervo industrial que é a parte boa da fábrica sem passivos em 1978. "Eu fui o contador da Paraopeba durante oito anos e depois fui contador da Cedro por mais sete anos", lembrou Gomes.
Caso de sucesso. No país da burocracia, até mesmo o pequeno empresário está aderindo à experiência. Foi o caso da família Ferreira, em Belo Horizonte. A empresária Sinária Ferreira administra uma confecção e o show room "Tribo de Gaia", no bairro Prado, com uma vida financeira renovada.
Quem comprou o negócio com dificuldades nas contas foi o irmão dela. "Tivemos que mudar muita coisa, a primeira dona era inexperiente, não planejava. Já estou com a empresa há dois anos e agora é que as coisas estão chegando no lugar", desabafou.
Quando os irmãos adquiriram a empresa, eram mais de 30 empregados. Até hoje, Sinária está pagando dívida de encargos trabalhistas da antiga dona. Agora, são 12 funcionários para a fábrica e o show room de roupa feminina casual e de festa. "Aprendemos sofrendo", resumiu a experiência. A projeção para a "Tribo de Gaia" é de produção de 600 a 800 peças por mês.
Falência
Lei. Depois de tramitar por 11 anos no Congresso, a lei 11.101/2005 disciplina recuperação judicial, extrajudicial e falência do empresário e da sociedade empresária, com o fim do instituto da concordata no país.
Um passado cheio de aquisições
O auditor e contador Juércio Magalhães Gomes, 62, testemunhou, como executivo de seis empresas, aquisições nos setores têxtil, supermercadista e de carne. [NORMAL_A]Ele lembra do Frigodias, em Janaúba, que em janeiro de 1986 pediu concordata preventiva e foi adquirido pelo Frigorífico Kaiova de Guarulhos (SP). “Na época, o Frigodias estava com problemas financeiros e passivo tributário de ICMS e débitos bancários.”
Auditor da rede Epa Supermercados de 1978 a 1985, Magalhães verificou os passivos e o valor a ser pago na compra do Manda Brasa e do Ki-Mercado. “O Manda Brasa tinha cerca de dez lojas na capital, e o Ki-Mercado, duas bem situadas no centro da cidade. As duas redes estavam em dificuldade financeira”, contou. Do Manda Brasa, o Epa ficou com a razão social, ativos e passivos. Do Ki-Mercado, comprou o acervo comercial. (HL)
Fique atento
– Um time de advogados e contadores deve analisar o passivo da empresa que será adquirida para avaliar a viabilidade do negócio
– Muitas vezes a empresa está tão contaminada com encargos trabalhistas, fiscal e tributário que não vale o risco de adquiri-la
– Na hora da aquisição de um ativo (empresa) vale aquela máxima do mercado: “comprar na baixa e vender na alta”
– Uma empresa que está em dificuldades terá um preço atrativo. Mas o pro- cesso de aquisição pode levar de seis meses a um ano, dependendo do caso
Fonte: Marcello Vieira de Mello
Minientrevista
“Deve ser feita uma avaliação detalhada do passivo da empresa”
A compra de empresas em dificuldade é uma atividade desempenhada há muito tempo tanto fora do Brasil quanto no território nacional? Sim. E em tempos de crise costuma elevar os índices de negócios, pois mais empresas acabam em dificuldade e podem se tornar bons negócios.
Como é o procedimento para a compra? Caso a empresa esteja somente em dificuldade, a compra é feita após um processo de “due diligence”, que é uma auditoria legal, visando apurar a situação financeira, o valor dos ativos e apurar o passivo da empresa.
Quais são os principais problemas enfrentados quando se compra uma empresa? O comprador se tornará responsável pelos débitos da empresa, mesmo aqueles anteriores à compra, motivo pelo qual deve ser feita uma detalhada avaliação do passivo da empresa que se pretende adquirir.
Por que comprá-la e depois desmembrá-la em várias? Ocorre para venda de um segmento da empresa que não esteja englobado em seu objeto principal ou porque há necessidade de venda de alguns ativos para formação de caixa ou, ainda, porque a venda separada pode render mais do que a venda da empresa como um todo. (HL)