1.1. Dividi esta apresentação da seguinte forma:
a) Introdução: A Diplomacia na Arena Comercial;
b) A Personalidade no Direito Internacional;
c) Tipos de Diplomacia;
d) Funções da Diplomacia; e
e) Conclusão: Projeções para o Futuro da Diplomacia.
1.2. O principal objetivo de um Estado em suas relações com outros é o de conduzir e influenciar essas relações para seu maior benefício possível, geralmente de ordem econômica. Todavia, ao mesmo tempo, cabe aos Estados a enorme responsabilidade de promover uma harmonia mundial com base em princípios gerais de Direito geralmente reconhecidos pelas nações civilizadas e no Direito Internacional formulado de maneira eqüitativa.
1.3. A formulação da política externa de um país é obra nacional de sua ordem política interna, cabendo ao diplomata a administração das relações internacionais e reconciliação das diversas prioridades da política externa [1]
. A definição tradicional de diplomacia é apresentada como sendo a condução de relações entre estados e outras entidades com personalidade jurídica de Direito Internacional por agentes oficiais e para fins pacíficos. Desta forma, não se pode chamar de diplomacia a promoção de interesses, quer públicos, quer privados, por agentes não oficiais e autorizados a agir em nome de um Estado ou de uma entidade com personalidade própria de Direito Internacional Público.
1.4. Todavia, os interesses de um Estado, nos dias atuais, são percebidos como sendo a generalidade dos interesses comerciais de sua iniciativa privada e cabe à diplomacia o desafio de promovê-los internacionalmente, normalmente coletivamente, perante os demais Estados, tanto no âmbito bilateral, como regional e multilateral. Para tanto, deve a diplomacia ter canais eficientes de coleta de informações e de comunicação com a sociedade civil e com a ordem interna política. Sem tal lastro, corre a diplomacia o risco de estar causando um enorme prejuízo ao país que representa e a história, desgraçadamente, é pródiga em exemplos do gênero.
1.5. Tais desdobramentos da atividade diplomática para a área comercial e além das relações oficiais entre Estados trouxeram novos desafios para os diplomatas e um certo grau de incerteza entre os Estados sobre como organizar tais relações. Tal incerteza é refletida na Convenção de Viena sobre Relações Diplomáticas e Imunidades, de 1961, que se confinou às relações entre os Estados ao invés de aumentar sua abrangência para os organismos internacionais [2]. O mesmo fenômeno ocorreu na ordem interna, já que alguns países passaram a se fazer representar em questões comerciais por organismos outros que seus Ministérios das Relações Exteriores, como é o caso dos Estados Unidos, que é representado pelo escritório comercial [3]. Também a África do Sul é representada pelo Departamento de Comércio e Indústria [4]. Outros Estados, ainda, derrogaram sua soberania para o trato de questões comerciais multilaterais para organizações supranacionais, como é o caso da União Européia – UE, representada para tais finalidades pela Comissão Européia.
1.6. O acúmulo de responsabilidades para os diplomatas, devido à vasta abrangência dos interesses comerciais dos Estados, tornou-se enorme, compreendendo o domínio de conhecimentos outrora somente exigidos de especialistas do setor privado versados em finanças, setor bancário, seguros, resseguros, economia agrária, administração de empresas, engenharia ambiental, construção civil, bens de capital, licitações públicas, serviços de transportes, Direito Constitucional, Direito Marítimo, Direito Aeronáutico, Direito de Competição, Direito Trabalhista, Direito Societário, Direito do Mercado de Capitais, Direito Internacional Privado, Direito Tributário, Direito Comercial etc.
1.7. Da amostragem supra, torna-se evidente que, onde outrora um diplomata podia atuar com desenvoltura representando os interesses de seu país, hoje se faz necessária uma equipe de especialistas com profundos conhecimentos setoriais e mantendo um contato próximo com as relevantes áreas da economia nacional.
2.1. A diplomacia, evidentemente, pressupõe a preexistência de uma sociedade internacional e de um sistema de Direito Internacional que regule as relações entre os Estados. São fontes reconhecidas do Direito Internacional os tratados; o costume internacional; os princípios gerais de Direito; a jurisprudência; e a doutrina.
2.2. Tradicionalmente, tem-se entendido que os Estados soberanos são os principais sujeitos do Direito Internacional, seguidos pelos governos, territórios e populações. Dentro desta perspectiva clássica, não haveria lugar para a pessoa física nem para a jurídica no ordenamento do Direito Internacional. Todavia, dentro da evolução jurídica, que já mencionamos anteriormente, nas últimas décadas foram criadas situações favoráveis para indivíduos bem como pessoas jurídicas reivindicarem direitos conferidos pelo Direito Internacional. Da mesma forma, indivíduos e pessoas jurídicas tornaram-se sujeitos de obrigações impostas pelo Direito Internacional. Estas situações têm se multiplicado na área comercial [5], de direitos humanos e criminal. O combate internacional ao crime organizado, os blocos comerciais e a globalização das economias, bem como a proteção aos direitos humanos, impõem esta realidade ao Direito Internacional e forçam sua evolução[6].
2.3. De qualquer forma, os Estados soberanos são os sujeitos mais importantes do Direito Internacional e é a respeito principalmente de seus direitos e obrigações que se dedica a matéria. A natureza do Estado é definida pela Convenção de Montevideo sobre Direitos e Deveres dos Estados, de 1933 [7], segundo a qual o Estado como pessoa de Direito Internacional deve ter os seguintes requisitos: a) uma população permanente; b) um território definido; c) um governo; e d) capacidade de se relacionar com outros países. Tais requisitos são bastante óbvios, à exceção do último, que deve ser interpretado como “Estado legalmente independente”.
2.4. Por sua vez, as organizações internacionais, para poderem cumprir suas funções, também devem ter personalidade jurídica de Direito Internacional. Assim, não somente a ONU tem personalidade jurídica, como também a Organização dos Estados Americanos – OEA, a Organização da Unidade Africana – OUA, a Organização Mundial do Comércio – OMC e a União Européia [8], entre outras.
2.5. Neste ponto, vale a pena tecer alguns comentários sobre o significado jurídico da instituição do “reconhecimento” no Direito Internacional. Se dois Estados reconhecem um ao outro, significa que ambos aceitam a personalidade jurídica de Direito Internacional de cada um. Se um Estado reconhece o governo de um outro, significa que o primeiro aceita que o segundo seja representado nas relações de Direito Internacional por aquele governo. Assim, entre dois estados, o reconhecimento recíproco é a premissa básica para representação diplomática e tratados bilaterais.
2.6. Resumidamente, a troca de missões diplomáticas é possível pelo reconhecimento dos Estados uns aos outros, mas também de uma série de princípios, normas e convenções de alta complexidade. Assim, o país que envia um diplomata aceita o princípio da não interferência nos negócios internos do Estado anfitrião, da mesma forma que este aceita respeitar a imunidade da pessoa do diplomata e de outras pessoas e condições reconhecidas no Direito Internacional como indispensáveis à sua atividade.
3.1. Embora as decisões sobre a formulação de diplomacia sejam privilégio das autoridades políticas de Direito Interno, cabe à diplomacia profissional apresentar as opções disponíveis para tal. A formulação inclui a coleta e interpretação de informações nacionais e estrangeiras e sua respectiva avaliação sob o ponto de vista do impacto estratégico para o país. Além da formulação, há, é claro, a sua respectiva execução. A execução envolve o convencimento de terceiros normalmente por razão ou persuasão, mas não são raros os casos de ameaças ou outros estratagemas utilizados como instrumento de convencimento, tal qual a desestabilização política e a cizânia, por exemplo.
3.2. A diplomacia pode ser bilateral, regional ou multilateral. Ela é bilateral no elo formal entre um Estado e outro; regional quando trata de questões atinentes a interesses de mais de um Estado em uma mesma área geográfica, como por exemplo no caso do Mercado Comum do Cone Sul – Mercosul ou do Acordo de Livre Comércio da América do Norte – Nafta; e multilateral quando representa os interesses de um Estado em organizações internacionais amplas, como a ONU ou a OMC.
3.3. Pode ainda a diplomacia ser institucionalizada, no caso da embaixada que um Estado mantém em outro, ou ainda ad-hoc como uma missão específica para um dado fim. Dá-se, por exemplo, a diplomacia ad-hoc quando uma pessoa é nomeada para uma finalidade de negociar um tratado específico ou ainda participar de uma rodada multilateral de negociações, como no Gatt e na OMC.
3.4. Por último, cabe ainda distinguir entre a atividade diplomática propriamente dita, quando se trata do relacionamento entre um Estado e outro ou entre um Estado e outra pessoa de Direito Internacional Público, e a atividade consular, que trata do relacionamento entre a repartição de um Estado situada em outro país, com os nacionais do primeiro.
4.1. A primeira das funções da diplomacia é a de facilitar a comunicação entre os Estados, seus líderes e outras entidades nacionais, uns com os outros. No passado, devido à inexistência das telecomunicações e com o transporte muita vezes dificultado pelos meios pouco eficientes, a existência das missões diplomáticas tinha uma importância relativa muito maior do que hoje. Nos dias atuais, estudantes e acadêmicos fazem intercâmbio internacional e homens de negócio se entendem sem a necessidade de intervenção da missão diplomática. Está em voga a chamada diplomacia presidencial, mediante a qual os chefes de governo se entendem diretamente. A movimentação internacional do consumidor é assegurada por tratados internacionais, da mesma forma que a prestação de serviços transfronteiriços. A mobilidade atual é tamanha que alguns chegam a defender a extinção das missões diplomáticas, pela dramática redução de sua importância.
4.2. Outra função essencial da diplomacia é a negociação de acordos e tratados. A complexidade crescente da sociedade internacional e seus reclamos por uma ordem jurídica justa e eqüitativa exigem um grande número de acordos internacionais. Esta atividade é a que hoje requer a maior atenção dos Estados no sentido de proporcionar aos seus nacionais condições equilibradas de desenvolvimento na ordem internacional. E isto é verdade porque os anseios hegemônicos não deixaram de existir nos tempos atuais, ao contrário, persistem com novas roupagens. Alguns países levam seu auto-interesse ao extremo de desconsiderar absolutamente as especificidades e necessidades do Estado interlocutor.
4.3. A terceira função da diplomacia é a de coletar informações ou inteligência a respeito de terceiros estados. No passado, esta área era quase que totalmente do domínio das missões diplomáticas. Hoje, as fontes de informações são múltiplas e devido à complexidade do mundo atual, são freqüentemente encontradiças na iniciativa privada e nas universidades, razão pela qual a diplomacia não pode mais ficar estanque da sociedade civil. Ao contrário, cabe à diplomacia desenvolver a habilidade de coordenar a coleta de informações nas diversas fontes da sociedade civil, em seu próprio país, em primeiro lugar. Tais informações servirão posteriormente para a montagem dos cenários estratégicos dos interesses nacionais e das opções disponíveis para a formulação da política externa, bem como de sua execução. Desta forma, pode-se seguramente prever, para países como o Brasil, a abertura de escritórios regionais em território nacional, em detrimento de novas embaixadas.
4.4. Por último, a minimização dos pontos de fricção nas relações internacionais entre Estados soberanos. A fricção é um forte elemento de tensão nas relações internacionais e pode levar à guerra. Assim, quando um diplomata estrangeiro lotado em um Estado faz um comentário negativo a respeito da índole do país anfitrião ou de sua estrutura legal não está contribuindo pela minimização da fricção, muito pelo contrário. O protocolo existe para minimizar as possibilidades de fricção. Da mesma forma, são importantes a precisão verbal, o conhecimento dos costumes e das técnicas de negociação freqüentemente desenvolvidas para uso na iniciativa privada.
5.1. Seguramente nenhuma área das relações internacionais tem tido o crescimento da diplomacia comercial. Somente entre 1990 e 1994, 33 acordos regionais de comércio foram notificados ao Gatt, sendo que o total é hoje de aproximadamente 150. A OMC foi criada envolta em 19 tratados dispondo a respeito de áreas tão díspares como têxteis, agricultura, serviços financeiros, transportes, subsídios, anti-dumping e resolução de disputas [9]. O acordo do Nafta tem mais de 2.000 páginas, 200 das quais dedicadas à questão das regras de origem, sem se esquecer de setores como investimentos, proteção ambiental, imigração e padrões trabalhistas [10]. A UE criou toda uma estrutura de derrogação da soberania nacional, em cuja última manifestação, o Tratado de Maastricht, foi acordada a criação de uma moeda européia, o euro, e de um banco central europeu. O próprio Mercosul, iniciativa ambiciosa da criação de um mercado comum entre Argentina, Brasil, Paraguai e Uruguai, tem como objetivos ainda a serem alcançados a livre movimentação de pessoas, serviços e capitais: trabalho para mais de uma geração de diplomatas.
5.2. O tratamento de tal ampla variedade de temas não prescinde da formação tradicional do diplomata. Todavia, da mesma forma que as diversas sociedades civis passaram a acompanhar a atuação de seu serviço diplomático e aumentaram os controles sobre suas atividades, o diplomata não pode mais funcionar isoladamente da realidade social e econômica que o cerca. Para que sua atuação possa ter a eficácia necessária em termos de resultados positivos, é importante a coordenação dos anseios sociais e o trabalho conjunto com a sociedade civil. Da mesma forma, é importante que o diplomata esteja capacitado para se relacionar com a sociedade civil e complemente sua formação tradicional com disciplinas como o Direito, Economia, Agricultura, Finanças, Engenharia etc.
5.3. Alternativamente, haveria a hipótese de se ter como representante para negociações comerciais internacionais um técnico sem formação diplomática, nos moldes do escritório do representante comercial dos EUA, que freqüentemente acumula insucessos devido às fricções causadas pela falta de habilidade diplomática. A outra hipótese, igualmente desaconselhável, é a de se ter o diplomata sem a devida capacitação, o que também acumula insucessos graves.
5.4. Desta forma, para o futuro da diplomacia comercial se apresentam dois desafios perfeitamente superáveis: o relacionamento mais próximo com a sociedade civil e a maior capacitação técnica.
Advogado admitido no Brasil, Inglaterra e Gales e Portugal. Formou-se em direito pela PUC-SP em 1975. Árbitro do GATT (General Agreement on Tariffs and Trade) e da OMC (Organização Mundial do Comércio), e professor de direito do comércio internacional na pós-graduação da Universidade Cândido Mendes (RJ).