SÃO PAULO – Há poucas semanas atrás, em 16 de novembro de 2006, o Secretário Geral das Relações Exteriores do Brasil, o Embaixador Samuel Pinheiro Guimarães, deu uma importante conferência na UNIBRASIL, em Curitiba, sobre as diretrizes da política externa brasileira. Como é sabido, o Embaixador Samuel Pinheiro Guimarães é um dos principais formuladores de nossa política externa e um dos mais substanciosos intelectuais do Brasil. Esta minha coluna de hoje reproduz uma síntese do pensamento do conferencista, então enunciado, por sua importância estratégica, já que tive a honra de estar presente na ocasião, como debatedor.
A política externa é de difícil formulação sem o conhecimento pleno tanto do Brasil como do mundo. De fato, a política externa visa os interesses do País vis-à-vis a comunidade internacional. Assim, o Brasil caracteriza-se por suas disparidades sócio-econômicas. Nada menos de 40 milhões de brasileiros vivem abaixo da linha de pobreza. Os habitantes situados na categoria de 10% de cima da pirâmide econômica detém 40% da riqueza do País, enquanto os 40% dos brasileiros na base da pirâmide detém apenas 10% da riqueza nacional.
Da mesma maneira, o Brasil apresenta disparidades de ordem racial; no tocante ao sexo das pessoas; na formação educacional; no que diz respeito às regiões do País; no confronto da cidade versus o campo, bem como nas próprias regiões metropolitanas, que acolhem favelas ao lado de bairros de grande afluência econômica.
Assim, o Brasil apresenta inúmeras vulnerabilidades no confronto da comunidade internacional e, mais particularmente, na comparação com os países desenvolvidos, que formam o centro de poder mundial. As vulnerabilidades econômicas do País são bastante conhecidas, por representar uma economia em desenvolvimento.
Por outro lado, o Brasil tem vulnerabilidades políticas na comunidade internacional, já que não participa dos centros de decisão mundial. Suas vulnerabilidades militares são óbvias e mesmo na área de tecnologia, o País tem uma posição marginal e sofre os efeitos dos certificados de monopólio conferidos pelo regime jurídico internacional da propriedade intelectual. Mais ainda, o Brasil apresenta-se com uma vulnerabilidade ideológica, já que prevalece no mundo uma cosmovisão que atende apenas aos interesses estratégicos dos países desenvolvidos.
No entanto, o Brasil tem um enorme potencial, que decorre de diversos fatores, como a extensão de seu território, o tamanho de sua população e mesmo da expressão de seu produto interno bruto, o PIB. Esse potencial, para ser realizado, depende de ações domésticas, mas também de ações no foro internacional, que têm direto impacto interno.
Por outro lado, verificam-se claras tendências no sistema internacional, a primeira das quais diz respeito aos vetores de transformação: a informática e a biotecnologia. Dá-se ainda uma concentração de grande poder político e militar em um pequeno núcleo de países, representando menos de 20% da população mundial.
Da mesma maneira, observa-se uma tendência na concentração das rendas mundiais num pequeno centro com crescimento menor da população, projetando-se, por conseguinte, um aumento da disparidade existente. Daí observa-se um fenômeno das migrações populacionais da periferia ao centro. Do ponto de vista político, observa-se a imposição de regras econômicas adversas aos interesses dos países em desenvolvimento, que se situam na periferia do sistema mundial.
Assim, uma política externa eficiente somente se caracteriza se ajuda a resolver os problemas da sociedade brasileira. Dessa maneira, a candidatura do Brasil ao Conselho de Segurança da Organização das Nações Unidas (ONU) visa a reduzir a vulnerabilidade política do Brasil. Da mesma forma, o bloco sul-americano de nações, bem como o Grupo dos 20, no âmbito da Organização Mundial do Comércio (OMC), visa a aumentar a densidade política internacional do País.
No tocante à integração regional e ao Mercosul, deve-se reconhecer a enorme assimetria, que também é crescente, e que requer mecanismos e ações para que seja minimizada. Nesse particular, impõe-se uma maior generosidade do Brasil, o país com uma economia substancialmente maior na área.
Com respeito às chamadas iniciativas sul-sul da diplomacia brasileira, visando as relações bilaterais e plurilaterais com outros países do hemisfério sul, como a África do Sul, China, Índia e outras, observou o Embaixador Samuel Pinheiro Guimarães que as respectivas associações permitem-nos melhor defender nossos interesses comuns nos foros internacionais.
Esses interesses comuns são identificados em áreas tão diversas como no Protocolo de Kyoto, na Rodada Doha da OMC, na Assembléia Geral da ONU, etc. Tais interesses incluem o desejo que as regras internacionais permitam que nosso país tenha as políticas públicas necessárias para promover o desenvolvimento econômico e social de seu povo.
Advogado admitido no Brasil, Inglaterra e Gales e Portugal. Formou-se em direito pela PUC-SP em 1975. Árbitro do GATT (General Agreement on Tariffs and Trade) e da OMC (Organização Mundial do Comércio), e professor de direito do comércio internacional na pós-graduação da Universidade Cândido Mendes (RJ).