Durante os trabalhos da Trigésima Oitava Cimeira do Mercosul, realizada em Montevidéu, na semana do dia 7 de dezembro passado, a presidente argentina, Cristina Kirchner, tomou a insólita iniciativa de reclamar publicamente uma ação afirmativa de parte do governo brasileiro, com o objetivo de reduzir as assimetrias econômicas com o seu país.
Segundo Cristina Kirchner, a situação macroeconômica brasileira permite uma muito maior atração de investimentos do que aquela existente na Argentina.
A constatação da presidente argentina foi modesta, pois a fragilidade macroeconômica do país está a impedir o pleno exercício do livre comércio intrazona. Essa debilidade tem ainda exigido o crescente recurso a medidas protecionistas não tarifárias, como o licenciamento não automático e o amplo e frequente uso de medidas idiossincráticas de defesa comercial, também no âmbito do Mercosul.
De fato, desde a decretação unilateral da moratória pelo presidente Nestor Kirchner (2003-2007), de resto necessária para salvar o país da tanto desastrosa como criminosa herança do Fundo Monetário Internacional (FMI), o país tem tido dificuldades em acessar os mercados financeiros voluntários internacionais para financiar os investimentos públicos, tradicionalmente importantes, como também em receber investimentos do capital privado internacional.
A exiguidade do mandato presidencial de Kirchner e a herança trágica e devastadora do legado do FMI, acumulada com a eclosão da fase aguda da crise financeira mundial em 2008, não permitiram que a Argentina obtivesse a normalização de suas relações financeiras internacionais, até hoje não ocorrida. O fato prejudica enormemente o esforço para a plena recuperação econômica interna do país.
De fato, os déficits públicos acumulados têm provocado uma crescente pressão sobre os preços, com os analistas apontando uma previsão de 20% de inflação para 2010. Com a queda dos investimentos e uma política tributária a impedir a competitividade internacional de seus produtos, o clima empresarial é sombrio, e o sentimento nacional é de generalizada desesperança.
Não deveria necessariamente ser assim. É chegado o momento de uma eficaz ajuda do Brasil para a melhoria da situação institucional do país vizinho e, ao mesmo tempo, daquela do Mercosul. Essa ajuda não deveria ser unilateral e nem a fundo perdido, mas dentro de uma formatação que permita o crescimento sustentado da Argentina, assim como dos demais parceiros comerciais do Mercosul, e a maior juridicidade do bloco regional de comércio.
A União Européia (UE) tem um tratado denominado Pacto de Estabilidade e Crescimento, SGP, acrônimo decorrente da designação em língua inglesa, assinado em 1997, que estabelece critérios macroeconômicos a serem observados pelos Estados Membros, como o patamar de 3% do Produto Interno Bruto (PIB) para os déficits públicos e outro de, no máximo, 60% do PIB para a dívida pública.
O SGP é baseado nos artigos 99 e 104 do Tratado de Maastricht, de 1993, que trata inter alia da unificação monetária européia, e que dispõe de critérios para cooperação financeira entre os bancos centrais dos Estados Membros, o Banco Central Europeu e demais instituições comunitárias, inclusive para casos de assistência de liquidez emergencial.
Da mesma forma que não podemos ter um bloco econômico ao redor de uma ilha de prosperidade, não podemos ter igualmente um regime jurídico não vinculante, baseado em exceções e dependente de ajustes ad hoc negociados por agentes do governo, à revelia dos protagonistas econômicos interessados.
Quando o Tratado de Assunção de 1991 foi assinado, não se podia então contemplar as possibilidades de assistência recíproca que se abririam. Hoje temos tais condições e bem assim aquelas econômicas e financeiras.
Assim, não podemos permanecer inertes face às dificuldades de nosso principal parceiro regional e devemos trabalhar para adensar a cooperação regional igualmente para o setor financeiro.
Advogado admitido no Brasil, Inglaterra e Gales e Portugal. Formou-se em direito pela PUC-SP em 1975. Árbitro do GATT (General Agreement on Tariffs and Trade) e da OMC (Organização Mundial do Comércio), e professor de direito do comércio internacional na pós-graduação da Universidade Cândido Mendes (RJ).