São Paulo – Na primeira semana de dezembro de 2010, o governo britânico de coalizão conservador-liberal anunciou o aumento imediato das alíquotas do Imposto de Valor Agregado de 17,5 para 20%, com efeito imediato. A majoração tributária irá, de um lado, aumentar a arrecadação fiscal, para o exercício de 2011, em aproximadamente 13 bilhões de libras esterlinas.
De outro lado, o incremento fiscal irá onerara família britânica em cerca de 600 libras anuais, dinheiro que irá fazer muita falta no Reino Unido hodierno. A medida irá custar cerca de 250 mil empregos no setor privado em 2011, cujo contingente irá se somar aos 600 mil desempregados do setor público que foram demitidos nos últimos meses.
A medida foi tomada para combater o déficit fiscal de 10,1 % do PIB, proporcionalmente maior daqueles de Portugal, Grécia e Espanha, e que foi causado pela irresponsável ajuda e subsídios do governo trabalhista (sic) britânico, com o apoio da oposição, ao setor bancário doméstico na magnitude de um trilhão de libras esterlinas, ou cerca de 75% do PIB do Reino Unido!
Ao recorrer, de maneira tipicamente insensível, à majoração de um imposto manifestamente injusto, na perspectiva social, por atingir ricos e pobres na mesma dimensão, o governo britânico agravou a crise econômica do país, que em 2010 teve um crescimento modesto de 1.9% do PIB, apesar das montanhas de subsídios desembolsados ao setor financeiro. A inflação em 2010 foi de 3.3%.
Acresce que o nível de desemprego no país, que já se situava na casa dos 8% no final de 2010 deverá aumentar de maneira expressiva no correr de 2011. Por sua vez, os 13 bilhões de libras que entrarão nos cofres governamentais deixarão de ser utilizados no consumo doméstico, o que irá repercutir no volume de vendas e, conseqüentemente, afetará negativamente o crescimento econômico do país.
A qualidade de vida do povo britânico é hoje pior do que aquela de muitos países em desenvolvimento. A educação pública, tradicionalmente desastrosa, está a piorar. Existe um déficit habitacional de cinco milhões e oitocentas mil residências. O transporte público é proverbialmente falho e, após a privatização, caro.
A água potável já foi consumida pelo menos três vezes. A qualidade da comida dispensa comentários. Sua quantidade ficou reduzida. O aquecimento no inverno ficou um luxo. Os bônus bancários, por sua vez, continuam elevados, como sempre.
A medida do governo britânico demonstra o limite do paroxismo da loucura do pensamento neoliberal. Subsidia-se o setor financeiro com volumes próximos da magnitude do PIB do país, para em seguida adotar medidas que prejudicam a população como um todo.
O neoliberalismo repudia o axioma que o poder emana do povo e em seu nome deve ser exercido. De acordo com essa espúria doutrina, o poder deve ser exercido em benefício do capital, ainda que a expensas do bem estar social.
Assim, no regime político oligárquico do Reino Unido, o mandato público parece não ser o de promover a prosperidade social, o desenvolvimento econômico num clima de justiça, mas sim o de proteger a rapina desenfreada da res publica e os jogos cruéis do capitalismo selvagem.
Advogado admitido no Brasil, Inglaterra e Gales e Portugal. Formou-se em direito pela PUC-SP em 1975. Árbitro do GATT (General Agreement on Tariffs and Trade) e da OMC (Organização Mundial do Comércio), e professor de direito do comércio internacional na pós-graduação da Universidade Cândido Mendes (RJ).