LONDRES – A data de 1º de Maio de 2004 marcou a acessão de 10 novos estados membros aos quadros da União Européia (EU), aumentando o número respectivo total para 25 e ampliando a diversidade geográfica, lingüística, étnica e cultural daquele bloco comercial. São eles Chipre, a República Checa, a Estônia, a Eslovênia, a Eslováquia, a Hungria, a Látvia, a Lituânia, Malta e a Polônia. Este fato notável repercute de várias formas na vida do cidadão de cada um dos novos estados membros, mas particularmente sobre as profissões legais.
De fato, com a acessão, a ordem jurídica nacional de cada país passará, em grande parte, a ser regulada pelos inúmeros tratados europeus, que tratam de matérias tanto díspares quanto abrangentes, que vão desde direitos humanos, política agrícola, pesos e medidas, livre comércio, união monetária (restrita a apenas um núcleo duro de signatários), até a livre circulação de prestadores de serviços e ao direito de estabelecimento para os profissionais do direito.
Para estes, a acessão de seus respectivos países à UE exigirá um grande esforço de atualização a respeito das normas regionais de comércio, bem como daquelas de regência nos diversos campos. Estes profissionais esperam ainda a oportunidade da expansão de suas atividades, com o incremento dos investimentos estrangeiros e do ingresso dos fundos comunitários que, a exemplo do ocorrido no passado com outros países menos privilegiados economicamente, como Espanha e Portugal, deverão trazer uma maior prosperidade nacional.
Por outro lado, os profissionais do direito dos novos países estão apreensivos a respeito da abertura dos respectivos mercados legais, nos termos da Diretiva de Estabelecimento 98/5 da UE. Até que ponto, indagam eles, seus mercados domésticos nas áreas comerciais e bancárias, particularmente, não serão dominados pelos grandes escritórios sediados principalmente em Londres? Será que os serviços jurídicos pertinentes à esperada prosperidade beneficiarão predominantemente os escritórios estrangeiros no tocante a contratos empresariais, negociações empresariais, parceiras, financiamento a projetos, privatizações, comércio internacional, operações bancárias, e outras?
Como estão estruturadas as profissões legais nos novos estados membros da UE para fazer frente à esta competição? Em todos os novos membros, os sistemas legais são baseados no direito civil. Em Chipre, há 1.200 advogados, denominados dikigoros . Na Estônia, para 1,3 milhão de habitantes, há apenas 430 advogados, divididos entre advokaats e vandeadvokaats, sendo que os do segundo grupo têm direitos de audiência processual. Na Hungria, o número de advogados (Ügyvéd) é de 8.500, para uma população de aproximadamente 10 milhões de habitantes.
Na Polônia, o país mais populoso dentre os novos membros, com cerca de 40 milhões de pessoas, há apenas 24 mil profissionais do direito, divididos em adwokats (advogados contenciosos) e radca prawny (advogados preventivos). Na Eslováquia, para uma população de 5,5 milhões de pessoas, há apenas 1.400 advogados, advokáts, enquanto na Eslovênia, para 2 milhões de pessoas, há um contingente de 900 odvjetnik, advogados. Na República Checa há 7.000 advokáts.
Nota-se, por conseguinte, que para uma população total agregada de aproximadamente 70 milhões de habitantes, os 10 novos Membros da UE têm menos de 40 mil advogados, ou seja um profissional do direito para cada grupo de 1.750 habitantes. Comparativamente, somente a Inglaterra e Gales têm aproximadamente 140 mil advogados para uma população de 60 milhões de habitantes, ou seja um profissional do direito para cada grupo de 428 habitantes. Mais ainda, estes profissionais estão organizados em escritórios de advocacia altamente capacitados, com presença comercial internacional, fontes amplas de capitais, e larga economia de escala. Alguns deles têm mais advogados do que a maior parte dos novos estados membros da UE.
Assim, não nos parece que as profissões legais nos novos estados membros da UE tenham muitas condições de competitividade internacional no âmbito daquele bloco regional de comércio, devendo perder a maior parte dos trabalho financeiro, contratual, societário e comercial para os escritórios mais desenvolvidos dos outros países, notadamente os da Inglaterra, mas também da Alemanha e Holanda. Para os advogados locais, caberão os casos contenciosos ou, alternativamente, a associação aos grandes gabinetes estrangeiros.
Claramente, a liberalização comercial regional não beneficia a todos de forma igual.
Advogado admitido no Brasil, Inglaterra e Gales e Portugal. Formou-se em direito pela PUC-SP em 1975. Árbitro do GATT (General Agreement on Tariffs and Trade) e da OMC (Organização Mundial do Comércio), e professor de direito do comércio internacional na pós-graduação da Universidade Cândido Mendes (RJ).