No auge da batalha pela independência da Índia do jugo daquilo que ele denominava o terrorismo inglês, Mahatma Gandhi exprimiu o sentimento de que “não podia conceber uma perda maior para um homem do que a do auto-respeito”. O Mahatma evidentemente expressava um conceito humano básico de há muito sedimentado na cultura oriental. Este mesmo conceito de valorização do auto-respeito, no Ocidente, já havia sido desenvolvido pelo pensador escocês, David Hume (1711-1776), em meados do século 18, como alicerce de suas teorias moral e ética. Emmanuel Kant (1724-1804), por sua vez, baseou-se em Hume para desenvolver, em suas Críticas, a busca do supremo princípio da moral interior, que teria autoridade racional. O que seria, então, esse princípio basilar que, começando pelo foro íntimo do indivíduo, transporta-se em repercussões amplas e diversificadas para a moral e, daí, para a ética, para eventual e posteriormente até mesmo integrar os ordenamentos jurídicos nacionais e internacionais? Como seria ele informado? De minha parte, entendo o auto-respeito como o sentimento, tanto sóbrio quanto positivo, resultante do honesto exame introspectivo da consciência. Gandhi, experiente advogado, freqüentemente chamava-o de ‘voz interior’, que tinha como a mais alta corte de Justiça. Evidentemente, o auto-respeito não é dissociado do universo cultural do indivíduo, que informa o seu juízo. Assim, o auto-respeito é informado pela cultura, que é o modo de vida de um povo, incluindo sua história, atitudes, valores, crenças, artes, ciência, percepções e modos de pensar e agir.
Desta maneira, a cultura orienta e baliza o auto-respeito, de tal modo que o auto-respeito individual é intrinsecamente ligado ao coletivo. Da mesma forma que um indivíduo sem auto-respeito não se projeta perante seus pares, as comunidades, e bem assim os Estados, sem auto-respeito colocam-se na ignóbil marginalidade. Por todas as suas conquistas nos mais diversos campos, como o econômico, educacional, cultural, de saúde pública e de desenvolvimento humano, o auto-respeito coletivo em Rio Preto poderia ser maior, no tocante ao patrimônio cultural existente na cidade. Na Europa, no Oriente e mesmo nos Estados Unidos da América, um país que projeta a barbárie em escala global, o patrimônio cultural é valorizado, mantido e utilizado para o deleite, o estudo e para a afirmação do auto-respeito nacional. Lembro-me ainda de como o Palácio Proibido, na Praça da Paz Celestial, iluminado à noite tal qual a bandeira, representa e simboliza a nação chinesa e o Estado chinês. Até mesmo a cidade de Miami, nos EUA, cuja orquestra sinfônica foi criada muito após a de Rio Preto, valoriza uma modesta arquitetura no estilo art-décoratif (arte déco), expressa em hotéis da primeira metade do século passado, utilizando-a para se projetar nacional e internacionalmente.
Rio Preto também tem um patrimônio arquitetônico no estilo art-décoratif , com variedade e excelência muito maior, dentre os quais o Mercado Municipal, o Instituto de Educação Monsenhor Gonçalves e a Basílica Menor Nossa Senhora Aparecida, esta última de uma beleza extraordinária. Para além do belo arquitetônico, a Basílica representa a história da cidade, a começar pelos afrescos no altar principal, que mostram Rio Preto em seus primórdios tempos. Por outro lado, a Basílica representa a história de todos nós. São casamentos, batizados, crismas, eventos de júbilo ou de luto que marcaram e marcam a vida de todos nós. A Basílica é igualmente um espaço sereno onde se meditar e, para os fiéis, a sagrada casa de Deus. Ela hospeda também o inspirador altar de São José, padroeiro da cidade, imediatamente à direita do altar principal. Seus vitrais têm uma beleza singular e seu teto é decorado com cenas bíblicas de raro esplendor. Ainda em seu interior, a Basílica tem um órgão contemporâneo daquele do Mosteiro de São Bento e mais antigo daquele da própria Catedral da Sé, em São Paulo.
Infelizmente, tanto a Basílica como o seu órgão necessitam de reparos, reformas e de cuidados especiais para que possam representar plenamente o seu papel na cidade e projetar o seu auto-respeito no âmbito nacional e internacional. Por ocasião de uma nova iniciativa de eventos culturais visando à arrecadação de fundos para as necessárias reformas, por parte da Confraria dos Amigos da Basílica, a participação de todos contribuirá também para o auto-respeito individual de cada um de nós.
Advogado admitido no Brasil, Inglaterra e Gales e Portugal. Formou-se em direito pela PUC-SP em 1975. Árbitro do GATT (General Agreement on Tariffs and Trade) e da OMC (Organização Mundial do Comércio), e professor de direito do comércio internacional na pós-graduação da Universidade Cândido Mendes (RJ).