Realizou-se na terça-feira, em Ecaterimburgo, na Rússia, a primeira reunião de cúpula do grupo denominado pelo acrônimo Brics, composto pelas iniciais de Brasil, Rússia, Índia e China, países que conjuntamente hoje detém nada menos do que 15% do Produto Interno Bruto (PIB) mundial, situado na casa dos US$ 60 trilhões, e que impulsionam o crescimento mundial. Atenderam os presidentes Dmitri Medvedev, da Rússia, Luiz Inácio Lula da Silva, do Brasil, Hu Jintao, da China, e o primeiro ministro Manmohan Singh, da Índia.
A agenda da cimeira buscou unificar posições entre aqueles países, líderes mundiais dentre as economias em desenvolvimento, para uma cooperação mais eficaz nos diferentes foros internacionais, tendo em vista os efeitos da crise econômica e financeira que comprometeu o modelo neoliberal de longa data patrocinado pelas economias falidas dos Estados Unidos e de um grupo de seus tradicionais estados-clientes.
Assim, com destaque nos entendimentos esteve a questão da substituição gradativa do dólar como moeda reserva mundial e como meio das trocas comerciais. No dia que antecedeu a reunião, a China registrou mais uma diminuição de suas reservas denominadas na moeda americana e em títulos do tesouro dos EUA. A Rússia fez um anúncio semelhante na mesma ocasião.
Da mesma maneira, foi objeto de tratativas a governança dos organismos multilaterais, de longa data dominada pelas potências hegemônicas, de maneira a promover a prosperidade seletiva própria, em detrimento dos demais países. Em particular, tratou-se da questão do poder de voto e controle do Fundo Monetário Mundial (FMI) e do Banco Mundial, dois organismos obsoletos a carecer de profundas reformas.
Outro ponto importante da pauta dos trabalhos é a reestruturação da regulamentação financeira mundial, de maneira a se prevenir a recorrência dos fatores que causaram a crise atual e os seus efeitos nefastos para a população global. De fato, com alguns primeiros e tênues sinais de recuperação, nota-se já a reincidência específica nos erros cometidos pelos vorazes mercados financeiros.
Diversificação
A cooperação entre o Brasil e outros países em desenvolvimento foi concebida pela doutrina formulada pelo embaixador Samuel Pinheiro Guimarães como maneira de minimizar as vulnerabilidades externas do país e se encontra expressa, mais recentemente, na importante obra, Desafios Brasileiros, pela qual o autor ganhou o prêmio Juca Pato, de intelectual do ano, em 2007.
No correr da administração do Presidente Lula, o Brasil tem perseguido com sucesso essa agenda, com iniciativas importantes não apenas no âmbito regional, mas também noutros continentes como aquelas com a Índia e África do Sul, no bloco denominado pelo acrônimo Ibas, composto das iniciais dos três países, que têm procurado promover um ideário comum não apenas para questões particulares, mas também para ações multilaterais.
Do ponto de vista estritamente comercial, a doutrina brasileira é ainda bastante lógica devido ao fato de que, hoje, a maior parte do comércio externo do Brasil é feita com outros países em desenvolvimento, diversificada por várias regiões do planeta, como a Ásia, Europa, Américas do Norte e do Sul e África.
Uma das manifestações dessa cooperação, inexistente até poucos anos atrás, foi observada durante a Rodada Doha da Organização Mundial do Comércio (OMC), muito embora na ocasião do recente impasse nas negociações, o Brasil tenha se alienado de seus aliados, demonstrando então uma política externa incoerente.
Acresce que, com a acessão da China à OMC, ocorrida em 11 de dezembro de 2001, e com a intensificação das trocas de mercadorias brasileiras com o país asiático, hoje o principal parceiro comercial do Brasil, aumentou expressivamente o leque de ações de colaboração, bem como de oportunidades, no âmbito bilateral.
Esse espírito de assistência recíproca buscado na cúpula realizada na Rússia, para ter um significado positivo estratégico para os quatro países dos Brics, deve ir além das questões comerciais, para abranger temas políticos onde os interesses do grupo certamente irão conflitar com aqueles do grupo hegemônico.
De resto, a aferição dos resultados concretos da primeira cimeira dos Brics, deverá vir não de simples análise e julgamento da declaração conjunta dos chefes de Estado, mas das ações futuras, específicas e determinadas a serem tomadas nos diversos foros multilaterais onde estão em jogo os interesses das nações.
Advogado admitido no Brasil, Inglaterra e Gales e Portugal. Formou-se em direito pela PUC-SP em 1975. Árbitro do GATT (General Agreement on Tariffs and Trade) e da OMC (Organização Mundial do Comércio), e professor de direito do comércio internacional na pós-graduação da Universidade Cândido Mendes (RJ).