LONDRES – Os 25 países que compõe a UE (União Européia) são representados nas negociações comerciais multilaterais no âmbito da OMC (Organização Mundial do Comércio), como aquelas presentemente em andamento da Rodada Doha, pela Comissão Européia, sediada em Bruxelas. Essas negociações incluem o comércio em mercadorias, bem como o setor de serviços, da mesma maneira que outras áreas, como investimentos, propriedade intelectual e acesso a mercados.
Na agenda de negociação da UE, na Rodada Doha, numa perspectiva defensiva, está a manutenção de seu bizarro e grotesco sistema de subsídios agrícolas, os quais promovem a miséria e a desesperança numa escala global. Por outro lado, na agenda européia afirmativa aparece com destaque o intento de obter a abertura dos mercados de serviços de seus principais parceiros econômicos.
Com o propósito de convencer a opinião pública dos países alvo de tal pretensão, os europeus freqüentemente recorrem a um ou outro de seus países membros, geralmente o Reino Unido, que tem um regime relativamente liberal de serviços. Os britânicos, por sua vez, quando apresentam seus argumentos, usam o exemplo de seu país da mesma maneira que escondem o regime de serviços da UE, fechado e discriminatório, o que evidencia sua má-fé.
O setor de serviços representa 70% do PIB (Produto Interno Bruto) da UE e emprega mais de 80% de sua mão de obra. Na semana passada, veio à tona a natureza real do regime europeu de serviços, por ocasião da votação, no Parlamento Europeu, da chamada Diretiva Bolkenstein, apresentada para a consolidação das normas européias no setor, dentro do novo quadro de um número maior de Estados membros.
A Diretiva Bolkenstein tinha ainda por objetivo promover uma liberalização mais ambiciosa na prestação de serviços dentro do espaço europeu, mercado comum onde deveria haver, mas não há, a livre movimentação de provedores. De fato, com a recente acessão dos dez novos membros, foram criadas diversas restrições à movimentação de seus nacionais, libera ma non troppo. De mais a mais, a liberalização plena dos sub-setores de serviços na Europa, como os jurídicos por exemplo, ainda está por ser atingida.
Dentre os pontos polêmicos da Diretiva, estava a possibilidade de uma empresa de um Estado membro prestar serviços num outro de acordo com as leis do país de origem. Tamanha estupidez legislativa fez com que a iniciativa em questão fosse apodada de Diretiva Franskenstein. De fato, se aprovada, a iniciativa levaria ao caos regulatório, bem como a uma corrida para a constituição de empresas subsidiárias no país mais liberal, de onde seriam prestados os serviços, triangulados. Um efeito colateral nefasto seria a redução dos direitos sociais e, até mesmo, da remuneração dos trabalhadores dos setores afetados.
Por muito pouco, o princípio de regência das leis do país de origem não passou. Da mesma forma, estão excluídas da liberalização inter alia os setores de radiodifusão, audiovisual (que inclui cinema e televisão), postal, transporte público, serviços temporários, jogo, saúde pública e serviços legais. Igualmente, a Diretiva não se esqueceu de listar motivos para os governos dos Estados Membros da UE restringirem adicionalmente e sponte sua a prestação de serviços de provedores de outros Estados membros. Dentre tais motivos estão a segurança nacional, o meio ambiente e a saúde pública (sic).
A Diretiva Bolkenstein, aprovada pelo Parlamento Europeu, apenas deverá entrar em vigor por volta de 2010 ou 2011 e, apesar de todas as suas restrições, representa um regime mais aberto do que aquele em vigor no presente. Note-se bem que os poucos benefícios por ela conferidos dizem respeito exclusivamente aos Estados membros da UE. Para os demais parceiros comerciais, como o caso do Brasil, os mercados de serviços da UE continuam praticamente fechados, diretamente ou por barreiras horizontais.
Que os nossos negociadores de serviços no âmbito da Rodada Doha tenham isso em mente antes de fazerem concessões no setor.
Advogado admitido no Brasil, Inglaterra e Gales e Portugal. Formou-se em direito pela PUC-SP em 1975. Árbitro do GATT (General Agreement on Tariffs and Trade) e da OMC (Organização Mundial do Comércio), e professor de direito do comércio internacional na pós-graduação da Universidade Cândido Mendes (RJ).