LONDRES – A liberdade de expressão é, de há muito, correta e largamente reconhecida como um dos principais pilares do estado democrático de Direito. Já em 1689, a Bill of Rights inglesa reconhecia que “a liberdade de expressão não poderá ser impedida ou questionada em qualquer tribunal ou lugar, fora do parlamento”. Nos Estados Unidos da América, a liberdade de expressão foi consagrada na primeira emenda constitucional e é ciosamente mantida pela jurisprudência daquele país.
Por sua vez, o princípio foi magistralmente interpretado pelo Tribunal Europeu de Direitos Humanos de Estrasburgo, nos casos Handyside (1979) e Lingens (1986), no sentido de que “compreende não apenas as informações consideradas como inofensivas ou indiferentes, ou que se acolham favoravelmente, como também aquelas outras que possam inquietar ao Estado ou a uma parte da população, porque assim resulta do pluralismo, da tolerância e do espírito de abertura, sem os quais não existe uma sociedade democrática”.
Dentre nós, no Brasil, o bem jurídico da liberdade de expressão é tutelado pela Constituição Federal dentre os direitos e garantias fundamentais tutelados pelo artigo 5, enquanto manifestação do pensamento (inciso IV); enquanto liberdade de consciência (inciso VI); e enquanto liberdade de expressão intelectual, artística, científica e de comunicação (inciso IX).
Todavia, a liberdade de expressão não é um direito absoluto. Ela é limitada em todo o mundo inter alia por restrições no tocante à calúnia, injúria, difamação, racismo, apologia do crime, obscenidade ou privilégios judiciais ou legislativos. Em sete países europeus, é ilegal afirmar que o Holocausto não existiu. No Brasil, o Supremo Tribunal Federal decidiu que o anti-semitismo é crime de racismo ainda que manifestado em obras históricas.
Nem mesmo a atividade da própria advocacia, indispensável para a administração do Direito e para o acesso à prestação jurisdicional do Estado, está isenta de limites. De fato, o artigo 15 do Código de Processo Civil brasileiro proíbe o uso de expressões injuriosas, tanto nos arrazoados por escrito, quanto nas argüições orais. Quando tais restrições à liberdade de expressão são violadas, os tribunais aplicam as apósitas sanções de caráter civil e/ou criminal.
Recentemente, o inexpressivo jornal dinamarquês Jyllands-Posten publicou caricaturas infamantes contra a fé muçulmana, que revoltaram os fiéis do Islã e provocaram uma onda internacional de indignados e, por vezes, violentos protestos mundo afora. Em muitos foros, muçulmanos equilibrados e educados alertam contra duplos critérios aplicados no Ocidente contra muçulmanos e não muçulmanos.
Seus argumentos merecem ser ouvidos. Por exemplo, no início de fevereiro, no Reino Unido, o líder do partido de extrema direita (British National Party) foi inocentado de incitamento ao ódio racial por ter chamado o Islã de “fé maldita e viciosa”. Dias após, um clérigo radical muçulmano, Abu Hamza, foi condenado a sete anos de prisão pelo mesmo motivo. Ainda em fevereiro, o parlamento britânico aprovou uma nova lei, contra a “apologia ao terrorismo”.
Tal tratamento discriminatório não é limitado ao Reino Unido e pode ser identificado hoje em muitos países ocidentais, onde se vende a imagem distorcida de uma alegada inferioridade cultural, religiosa, social e até mesmo humana dos fiéis do Islã. Essa discriminação odiosa viola freqüentemente os direitos humanos da vasta maioria dos muçulmanos, pessoas de bem, além de ferir um dos mais fundamentais princípios de Direito: o da isonomia.
Advogado admitido no Brasil, Inglaterra e Gales e Portugal. Formou-se em direito pela PUC-SP em 1975. Árbitro do GATT (General Agreement on Tariffs and Trade) e da OMC (Organização Mundial do Comércio), e professor de direito do comércio internacional na pós-graduação da Universidade Cândido Mendes (RJ).