LONDRES – O governo dos Estados Unidos da América anunciou no final da semana passada, em Washington, um déficit comercial recorde para 2005, de US$ 725 bilhões, aproximadamente o valor do Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro! Esse gigantesco déficit representou um crescimento de nada menos de 18% no referido ano e foi atribuído, pelas autoridades norte-americanas, à escalada nos preços do petróleo e ao incremento das importações originárias na República Popular da China.
No ano passado, a fatura paga pelos EUA para a importação de energia chegou aos US$ 251 bilhões, o que representou um incremento de 39,4% com referência ao ano anterior. Da mesma forma, o déficit comercial do país norte-americano com a China chegou a US$ 201 bilhões, uma majoração de 24,5% com relação a 2004, sendo que houve um aumento de 42,6% das importações têxteis, com o fim do regime multilateral de quotas no início do ano passado.
Na realidade, todavia, o déficit comercial dos EUA é sistêmico e indicativo tanto da substancial perda de competitividade internacional de sua economia, quanto do endividamento excessivo dos particulares, obcecados por uma desenfreada e desnecessária orgia de consumo. O consumo privado hoje responde a aproximadamente 70% do PIB do país. Assim, hoje as importações dos EUA superam em 60% as suas exportações, um índice muito preocupante para qualquer observador atento.
Desde que George W. Bush assumiu a presidência do país em 2001, o déficit comercial americano quase duplicou e hoje representa nada menos do que 5,8% do PIB do país. Por sua vez, o déficit em conta corrente do país, que mede todos os ingressos e saídas de liquidez financeira, chegou a 6,5% do PIB, atingindo o montante de US$ 780 bilhões. De outro lado, o desequilíbrio orçamentário do governo norte-americano chegou ao patamar de 3,7%, bastante superior à média da zona no euro, de 2,9%.
No momento, os Estados Unidos não têm dificuldades em financiar esse déficit comercial enorme, devido ao excesso de liquidez monetária nos mercados internacionais e à falta de opções para os investimentos. A curto prazo, constatou-se apenas uma queda da cotação do dólar americano face às principais moedas internacionais, como a libra esterlina. Especula-se sobre um iminente aumento dos juros pelo Banco Central Americano, o Federal Reserve, para sustentar a moeda do país. A longo prazo, todavia, a situação apresenta-se insustentável.
A China, que detém reservas monetárias em divisas estrangeiras no montante de quase US$ 1 trilhão, tem aplicado-as de maneira consistente em títulos do governo dos Estados Unidos. Todavia, no final do ano passado, o país asiático já havia anunciado uma diversificação de suas aplicações. Especula-se que, como parte de sua diversificação, a China incrementará suas reservas de mercadorias, inclusive energéticas. Se tal se materializar, a pressão de desvalorização sobre o dólar aumentará, bem como a de majoração dos preços do petróleo.
Os norte-americanos estão, há cerca de 2 anos, a criticar a política cambial chinesa, que acusam de promover a subvalorização do dinheiro do povo, o yuan. Essa situação impulsionaria artificialmente as exportações chinesas de uma maneira horizontal. Por sua vez, os chineses negam a acusação e afirmam que sua moeda tem a cotação livremente estabelecida pelos mercados.
De qualquer maneira, com sua notória falta de visão, o governo Bush apressou-se em anunciar manobras militares no Oceano Pacífico envolvendo nada menos do que seis porta-aviões. A administração americana atacou ainda a situação de instabilidade política no Oriente Médio, de resto por ela própria criada, como é largamente sabido.
Tais medidas, que não têm relação de causa e efeito, deixarão de levar à diminuição do déficit comercial dos EUA, que seguirá aumentando no correr do ano de 2006, conforme observam unanimemente os especialistas, trazendo mais um elemento de instabilidade às finanças e às relações internacionais.
Advogado admitido no Brasil, Inglaterra e Gales e Portugal. Formou-se em direito pela PUC-SP em 1975. Árbitro do GATT (General Agreement on Tariffs and Trade) e da OMC (Organização Mundial do Comércio), e professor de direito do comércio internacional na pós-graduação da Universidade Cândido Mendes (RJ).