Já em 1927, Jawarhalal Nehru observou com clara antevisão que, no futuro, o imperialismo americano seria a principal ameaça no mundo, a julgar pelos desenrolar dos acontecimentos na América Latina. Para Nehru, o imperialismo americano ou substituiria o imperialismo britânico como a maior ameaça, ou formariam ambos um “poderoso bloco anglo-saxão para dominar o mundo”. Para muitos observadores, a Organização Mundial do Comércio (OMC) é o instrumento desse pesadelo na área econômica.
A OMC foi criada e começou a funcionar em 1995, como resultado dos tratados da Rodada Uruguai do Acordo Geral de Tarifas e Comércio (GATT), em abril de 1994, pelos então 125 Estados que participaram nas respectivas negociações. À época, foi anunciado solenemente que uma nova era de prosperidade mundial havia iniciado. Em praticamente todos os países em desenvolvimento, inclusive nos maiores, como o Brasil e Índia, importantes líderes políticos expressaram grandes esperanças nos resultados da concluída rodada de negociações do sistema multilateral de comércio.
No entanto, na realidade, os chamados Tratados de Marraqueche tinham formalizado a maior derrota jamais sofrida pelos interesses dos países em desenvolvimento, que haviam sido largamente representados durante a Rodada lançada em 1986 pelo chamado Grupo dos 11, liderados por Brasil e Índia. Durante a Rodada Uruguai, os países desenvolvidos quiseram incluir no sistema multilateral de comércio as chamadas “novas áreas”: serviços, investimentos e propriedade intelectual. O Grupo dos 11 opôs-se a essa agenda baseado no argumento que não seria lógico ou pertinente incluir novas áreas no sistema, enquanto os setores tradicionais da agricultura e têxtil, de grande interesse para os países em desenvolvimento, permanecessem dele excluídos.
De mais a mais, o Grupo dos 11 argüiu que a inserção de novas áreas seria levada a efeito em detrimento dos países em desenvolvimento e para o quase exclusivo benefício dos países desenvolvidos. A resistência organizada pelos países em desenvolvimento, a primeira na história do regime multilateral de comércio, sucumbiu após aproximadamente 5 anos, como resultado de uma campanha de desestabilização sem precedentes levada a efeito pelos países desenvolvidos com a ajuda de organismos multilaterais, como o Fundo Monetário Internacional (FMI).
Assim, a fase final da Rodada Uruguai foi caracterizada por uma grande omissão da parte dos países em desenvolvimento, o que permitiu aos poderes hegemônicos moldar o sistema de acordo com seus interesses e para sua vantagem econômica. Enquanto as novas áreas foram incluídas no sistema, com uma formatação desenhada para promover uma prosperidade seletiva nos países desenvolvidos, a área agrícola e o setor têxtil foram apenas nominalmente integrados, já que subsídios massivos e quotas permaneceram em vigor.
Um apenas aparente resultado positivo das negociações ocorreu com respeito ao sistema de resolução de disputas, que era um depositário de muitas esperanças no fim do unilateralismo e da ação arbitrária no regime multilateral de comércio. Tais expectativas provaram-se infundadas, como veremos no curso desta apresentação.
Na medida em que o formidável engenho para a promoção da prosperidade seletiva de uns poucos para a exclusão dos muitos foi colocado em funcionamento, uma ominosa análise do Banco Mundial já indicava que os resultados da Roda Uruguai beneficiariam os países desenvolvidos em 64% e os países em desenvolvimento em 36%. A realidade provou-se muito pior. De acordo com um estudo do FMI a respeito dos 6 primeiros anos do sistema, os países desenvolvidos tiveram 73% dos benefícios, enquanto aos países em desenvolvimento coube apenas 27%. Um relatório mais recente feito pela Organização das Nações Unidas (ONU), no ano passado, colocou as vantagens dos países desenvolvidos em 80%!
Esse desequilíbrio é mais agudo nas novas áreas, mas é encontradiço em cada um dos tratados da Rodada Uruguai, como também no funcionamento da OMC, como veremos.
O Caso do Acordo Geral de Comércio em Serviços (GATS).
O GATS foi estruturado de uma tal maneira a promover as vendas internacionais de serviços dos países desenvolvidos nas áreas dos grandes negócios, como bancos, serviços financeiros, telecomunicações, etc. No entanto, o provedor individual de serviços, o modo de maior interesse para os países em desenvolvimento, foi excluído do sistema, não somente na chamada modalidade 4 de prestação de serviços, mas também em alguma profissões regulamentadas individualmente, como a profissão legal.
Acresce que barreiras horizontais, notavelmente na área de imigração, adotadas contemporaneamente de forma uniforme e consistente pelos países desenvolvidos em legislação de estrangeiros, não permitiram aos provedores de serviços dos países em desenvolvimento acesso aos mercados dos primeiros. Durante a Rodada Uruguai, tive a oportunidade de denunciar tal “cartel da vergonha” e de advertir aos países em desenvolvimento dos esperados efeitos.
A prestação de serviços individuais é uma área potencialmente de grande benefício para os países em desenvolvimento. Hoje, em muitos países, as remessas dos trabalhadores no estrangeiro, ilegais em sua maioria, representam mais que os investimentos estrangeiros diretos. Esse é claramente o caso do México, que recebeu a quantia de US$ 18 bilhões em remessas e US$ 14 bilhões em investimentos, no ano de 2004. No mesmo ano, a Índia recebeu US$ 21 bilhões de seus trabalhadores no exterior e o Brasil US$ 3,6 bilhões.
Tal tratamento discriminatório permitiu aos países desenvolvidos o acesso aos mercados dos países em desenvolvimento e, afinal, a dominação do comércio internacional em serviços. De acordo com dados divulgados pela UNCTAD, os países desenvolvidos hoje controlam mais de 80% do comércio internacional em serviços. Mais preocupante ainda é o fato de que o crescimento do comércio internacional de serviços pelos países desenvolvidos é aproximadamente 3 vezes aquele dos países em desenvolvimento, em vias de total alienação desse importante segmento econômico.
Esse tratamento detrimental aos interesses dos países em desenvolvimento, no âmbito do GATS é hoje largamente reconhecido pela opinião pública internacional, o que de muito contribuiu para a desmoralização da OMC. Nesse sentido, a UNCTAD clamou por “um maior e mais previsível acesso a mercados pelos países em desenvolvimento em serviços…, particularmente mediante o Módulo 4”. Todavia, a Declaração Ministerial Doha, de 2001, apenas reconhece as propostas submetidas por alguns dos Estados membros no tocante ao movimento de pessoas físicas.
Deve-se ainda lembrar que o GATS não contempla a existência de salvaguardas na área de serviços. Salvaguardas são mecanismos de defesa comercial para serem utilizados na área do comércio em mercadorias quando há uma perda de competitividade da indústria local, face a competição estrangeira. A tanto inexplicável quanto injustificável, de uma perspectiva lógica, ausência de salvaguardas em serviços fazem os países em desenvolvimento não apenas mais vulneráveis à liberalização, mas também sem instrumentos para corrigir danos dela decorrentes.
O Acordo Agricultura.
O Acordo Agricultura permitiu a manutenção de subsídios legais e ilegais praticados largamente pelos países desenvolvidos, na ordem de US$ 1 bilhão por dia. Esses subsídios distorcem os preços das mercadorias agrícolas e impedem o acesso dos produtos dos países em desenvolvimento não somente aos mercados subsidiadores, mas também aos mercados de terceiros e, em alguns casos, causam danos ou devastam os mercados internos dos países emergentes.
Os Estados Unidos da América (EUA), por exemplo, têm hoje mais de 10 programas diretos de subsídios agrícolas e mais de 10 de natureza indireta. Em termos de volumes absolutos, os subsídios americanos atingiram hoje um volume de US$ 150 bilhões, para uma produção agrícola total de US$ 128 bilhões. Os subsídios assim correspondem a 115% do valor da produção. Alguns de tais subsídios são desembolsados ostensivamente programas denominados “caixa verde”, mas em realidade são igualmente ilegais. Em algumas áreas, como algodão, as distorções tornaram-se grotescas e os danos aos países em desenvolvimento são enormes. Tais números extraordinários demonstram que os EUA deixaram de ser uma economia de mercado na área agrícola.
A situação não se apresenta diversa no âmbito da União Européia (UE), Japão e Suíça. A Política Agrícola Comum (PAC) da UE é um dos mais devastadores programas de subsídios para os livre mercados e para as oportunidades de desenvolvimento econômico dos países em desenvolvimento. Assim, os países desenvolvidos colocam suas mercadorias agrícolas no exterior com práticas de dumping caracterizadas por preços que são, na média, 1/3 mais baixos que os custos locais.
Tal prática escandalosa provocou revolta na opinião pública internacional. Assim, a UNCTAD clamou, para a Rodada Doha da OMC, “a eliminação de subsídios à exportação e substancial redução de medidas distorcivas de apoio doméstico na agricultura, dentro de um cronograma credível”. Acresce que a referida agência da ONU apoiou a “urgente eliminação de subsídios distorcivos do algodão e a criação de um programa de desenvolvimento para produtores de algodão.”
Um dos obstáculos mais importantes à superação do impasse em que se encontram as negociações presentes da Rodada Doha, mas não o único, trata-se exatamente do setor agrícola. Desgraçadamente, a Declaração Ministerial Doha colocou o objetivo de liberalização do setor agrícola no “futuro distante”.
O Acordo sobre Aspectos dos Direitos de Propriedade Intelectual Relacionados com o Comércio (TRIPS).
A inclusão da questão dos direitos de propriedade intelectual no sistema multilateral de comércio representou outra vitória dos oligopólios internacionais em detrimento dos interesses dos países em desenvolvimento, como eu já havia apontado em meu livro de 1995 sobre os tratados da Rodada Uruguai. A OMC tornou-se uma agência encarregada de assegurar o recebimento de pagamento de royalties. A matéria já havia sido regulamentada por um outro organismo internacional, de caráter específico, a Organização Mundial da Propriedade Intelectual (OMPI).
Como bem apontado pelo professor australiano, John Ralton Saul: “se a criação da OMC em 1995 foi a última clara vitória da globalização, o ponto específico de maior alcance foi a inclusão da propriedade intelectual no regime de comércio… A estrutura da propriedade intelectual, ora consagrada em nível internacional, criou obstáculos de conhecimento que os novos atores terão dificuldades em suplantar. Esse é um sinal de um eficaz oligopólio”.
No âmbito da OMPI, buscou-se sempre um equilíbrio entre o monopólio de patentes e o impacto social do seu uso. Esse não é o caso do TRIPS. Note-se ainda que, ao final da Rodada Uruguai, cinco países desenvolvidos tinham nada menos do que 84% das novas patentes.
Acresce que o TRIPS subordinou as autoridades domésticas de propriedade intelectual dos países em desenvolvimento àquelas dos países desenvolvidos. Isso foi obtido através a institucionalização do conceito denominado pipeline, segundo o qual o primeiro pedido de privilégio feito automaticamente dá proteção internacional. Uma importante omissão no acordo TRIPS é a falta de tratamento ao conhecimento tradicional, particularmente na área de medicina.
Mais ainda, o TRIPS omitiu-se de tratar da importante questão da implementação de políticas de saúde pública, uma falha dramática que afeta de maneira adversa os direitos humanos de bilhões de pessoas e, especificamente, causa uma continuada disputa entre o Brasil e os EUA na questão de patentes farmacêuticas, que permanece fundamentalmente em aberto.
Mencione-se ainda que não há, nos acordos da OMC, dispositivos para o tratamento de conflitos entre pactos como o TRIPS com outro tratados internacionais, em particular aqueles regendo questões de desenvolvimento e direitos humanos, que ocorrem ocasionalmente.
Os países desenvolvidos, tendo obtido uma situação de oligopólio na área de propriedade intelectual, rapidamente construíram uma enorme estrutura de subsídios orientados a assistir empresas envolvidas em pesquisa e desenvolvimento de patentes.
Tendo em vista tais graves problemas, a UNCTAD reconheceu a necessidade de encontrar, dentro do âmbito da Rodada Doha, uma solução tanto adequada quanto permanente para o problema de conflito entre o TRIPS e os interesses de promoção da saúde pública, inclusive o de facilitar o acesso a medicamentos essenciais.
O Acordo sobre Medidas Relacionadas com Investimentos (TRIMS).
O Acordo TRIMS tratou dos desejos dos países desenvolvidos em derrogar um número de políticas permitidas pelo direito internacional com o objetivo de promover o crescimento econômico e o desenvolvimento social. Muitas de tais políticas foram promovidas pela ONU ou por outras agências multilaterais. Dentre as práticas caracterizadas com a ilegalidade incluem-se as relacionadas com a substituição de importações como obrigação de conteúdo local, restrições a remessas financeiras, obrigações quanto a necessidade de exportar, necessidade de participação de capital doméstico, etc.
No entanto, o Acordo TRIMS não tratou dos efeitos na competitividade internacional do acesso a fontes baratas de financiamento, como disponível às empresas estabelecidas em países desenvolvidos, contra o crédito proibitivo, se existente, às empresas dos países em desenvolvimento. Igualmente, o acordo omitiu-se no impacto das compras governamentais em ganho de competitividade pela escala, dentre outros fatores, como ocorre na área de defesa. Da mesma maneira, o TRIPS deixou de tratar dos pagamentos e facilidades diversas dadas pelos países desenvolvidos às suas empresas, mas que não são tratados como subsídios proibidos.
Acresce que o TRIMS falhou miseravelmente ao deixar de tratar da legislação interna dos países desenvolvidos que incentivam a fuga de capitais em geral e a fraude e o crime financeiro, em particular, quando ocorrendo nos países em desenvolvimento. O TRIMS assim perdeu a oportunidade de estabelecer uma sólida fundação para a cooperação internacional na área de fraudes financeiras e tributárias, um grave problema mundial, tanto quanto no países em desenvolvimento.
O Acordo sobre Subsídios e Medidas Compensatórias.
Esse acordo trata dos subsídios tradicionalmente praticados pelos países em desenvolvimento, mas falha ao tratar daqueles em prática nos países desenvolvidos. Da mesma maneira, o Acordo sobre Subsídios falha ao deixar de permitir até mesmo alternativas básicas para os países em desenvolvimento proteger suas indústrias nascentes, com o objetivo de torná-las um dia competitivas.
Acresce que o Acordo Subsídios falhou ao se omitir no tratamento de questões como crédito barato, crédito à exportação, tecnologia barata, verbas de pesquisa, etc. Tais práticas são largamente utilizadas pelos países desenvolvidos para adquirir uma vantagem comparativa e alienar seus concorrentes dos mercados.
O Acordo Anti-dumping.
O Acordo Anti-dumping permitiu a manutenção, pelos EUA, da sua idiossincrática legislação de direito interno, contrária aos mais básicos princípios de direito internacional, a qual inter alia permite àquele país a imposição de direitos anti-dumping a qualquer importação contra a qual sua indústria doméstica não possa competir em termos de mercado.
Essa situação foi ainda agravada in extremis pela obrigação criada pelo tratado de resolução de disputas da OMC de abster-se de rever as determinações da autoridade nacional em matéria anti-dumping, o que não apenas é uma aberração e um contra senso, como também é uma violação de princípios fundamentais de direito internacional.
É óbvio que os países em desenvolvimento são as maiores vítimas do unilateralismo dos grandes poderes, porque são aqueles mais vulneráveis e assim não podem resistir adequadamente. Assim, direitos anti-dumping têm sido a fonte dos chamados picos tarifários que representam um dos maiores obstáculos para o acesso dos produtos dos países em desenvolvimento para os mercados dos países desenvolvidos.
O Entendimento para a Resolução de Disputas (DSU).
Até mesmo o sistema de solução de disputas da OMC, que tantas esperanças havia trazido no fechamento da Rodada Uruguai, foi um completo desapontamento, sob a perspectiva do estado de direito e sua aplicação. Sempre que os laudos do Órgão de Resolução de Disputas (ORD) não foram contrários aos países em desenvolvimento, eles não foram exeqüíveis contra os países desenvolvidos, porque o sistema não tem um mecanismo de execução respectiva. Por outro lado, sempre que os laudos foram em favor dos países desenvolvidos, as pressões políticas extra-autos dos fortes contra os fracos asseguraram o seu cumprimento.
Acresce que o sistema de resolução de disputas foi criado para “preservar os direitos e obrigações dos Membros sob os termos dos tratados de regência, e clarificar os dispositivos existentes”. Ele também expressamente proíbe decisões do ORD que “criem ou diminuam os direitos e obrigações objeto dos tratados de regência”. Em outras palavras, ao ORD não é permitida a criação de leis, o que também é consistente com o direito internacional, de uma maneira geral e com os Estatutos e jurisprudência da Corte Internacional de Justiça (CIJ).
No entanto, o ORD tem, desde o seu início, procurado legislar e freqüentemente contra os interesses dos países em desenvolvimento. Não ajuda o fato de que, de uma maneira geral, a composição da divisão jurídica do secretariado da OMC é feita com nacionais dos países desenvolvidos, com uma predominância de especialistas em direito norte-americano. A predominância de funcionários de países desenvolvidos é a regra na OMC. No início do ano passado, dos 601 membros do secretariado, nada menos de 360 vieram da UE. Outros 95 funcionários vieram de terceiros países desenvolvidos.
Analistas independentes têm visto o ORD como manipulado pelos grandes países desenvolvidos, notadamente os EUA. Alguns de seus laudos foram acusados de terem sido escritos pela divisão jurídica do secretariado da OMC, sempre controlado pelos poderes hegemônicos. Hoje, a falta de credibilidade do Entendimento é tal que, para a revisão presentemente em andamento no âmbito da Rodada Doha, foram feitas sugestões de modificações em todos os seus artigos e anexo.
De acordo com a Declaração Ministerial de Doha, uma revisão do Entendimento deveria ter sido finalizada até maio de 2003. Até hoje um consenso não foi obtido nesse sentido.
Conclusões.
Resulta claro que a ordem jurídica da OMC tem sido altamente detrimental à causa da Justiça e ao interesse dos países em desenvolvimento. Vimos como a nova formatação do sistema multilateral de comércio promoveu a insana lógica da prosperidade seletiva de uns poucos, em detrimento e exclusão dos muitos.
Não obstante, os arautos do imperialismo tentaram promover a especiosa retórica do livre comércio. Por detrás dessa mensagem, no entanto, a opinião pública internacional claramente apercebeu-se que essa ilusão de livre comércio é, na realidade, um abuso dos países desenvolvidos contra os países em desenvolvimento. Esse abuso permite que enquanto os seus “direitos” são exercidos contra os países emergentes, os países desenvolvidos mantém as áreas sensíveis de suas economias fechadas através de diversos meios. Tais incluem barreiras horizontais, picos tarifários, barreiras não tarifárias, leis injustas, ação unilateral e tratados desiguais.
Para os países em desenvolvimento, os poderes hegemônicos reservam a grotesca equação segundo a qual, quanto mais miserável for sua população, mais competitivo será o seu setor industrial. Os países desenvolvidos manipulam diversas agência multilaterais para tentar impor políticas fundadas nesse sofisma.
Nesse sentido, a UNCTAD promoveu o assim chamado consenso de São Paulo, em 2004, segundo o qual o comércio internacional não é um fim em si próprio, mas um meio para o alcance dos objetivos de desenvolvimento econômico, incluindo a redução da pobreza.
Até o momento, o sistema multilateral de comércio da OMC falhou miseravelmente em tal tarefa e assim caiu na infâmia. No final do ano passado, o mundo contabilizou mais de 300 acordos preferenciais de comércio. Dentre eles encontra-se aquele do MERCOSUL e demais no âmbito regional, envolvendo países em desenvolvimento.
No ano passado, mais de 50% do comércio internacional do Brasil foi feito com outros países em desenvolvimento. Esse comércio, amparado por tratados regionais simétricos, traz uma prosperidade muito mais equilibrada do que tratados semelhantes, de caráter regional, celebrados com potências hegemônicas, ou mesmo do que tratados multilaterais desiguais, como o da OMC.
O problema é que os tratados multilaterais são o forma de desenvolvimento do direito internacional, imprescindível para a coexistência entre os Estados. Contudo, devem os países em desenvolvimento resistir aos tratados desiguais e negociar os acordos multilaterais na busca do equilíbrio. Enquanto isso, os tratados preferenciais de comércio entre os países em desenvolvimento apresentam-se como uma boa alternativa.
Advogado admitido no Brasil, Inglaterra e Gales e Portugal. Formou-se em direito pela PUC-SP em 1975. Árbitro do GATT (General Agreement on Tariffs and Trade) e da OMC (Organização Mundial do Comércio), e professor de direito do comércio internacional na pós-graduação da Universidade Cândido Mendes (RJ).