Istanbul – O governo libanês solicitou à ONU (Organização das Nações Unidas), em 13 de dezembro de 2005, a criação de um tribunal especial para a apuração das responsabilidades criminais decorrentes do ataque a bomba havido em 14 de fevereiro do mesmo ano, em Beirute, e que matou o então primeiro-ministro do país, Rafiq Hariri, e outras 22 pessoas.
O pedido para a criação de um tribunal especial internacional para julgar um crime punível de acordo com as normas de direito interno é raro e típico de um país em crise, com fortes limitações no exercício de sua soberania.
De fato, historicamente, o Líbano é um país independente apenas a partir de 22 de novembro de 1943, cujo território sofreu ocupação estrangeira há mais de 5.000 anos. Assim, egípcios, hititas, assírios, gregos, persas, romanos, cruzados, otomanos, tribos árabes, para além dos franceses, ocuparam a área que configura hoje o território libanês.
A riqueza da formação histórica do país trouxe uma contrapartida conflituosa no conflito de religiões e etnias. A fundação do Estado de Israel em 1948 trouxe, não apenas um grande complicador na geo-política regional, mas um fator de desestabilização interna do Líbano, com a chegada de milhares de refugiados palestinos.
O Líbano passou então a ser uma das regiões de conflito da guerra fria e das disputas regionais. Mais ainda, o país teve que se deparar com os conflitos políticos internos de origem religiosa, que causaram uma triste e sangrenta guerra civil, invasões militares e ocupações por países estrangeiros.
Dessa maneira, a investigação do assassinato de Rafiq Hariri, de origem certamente política, a identificação dos suspeitos e a sua respectiva perseguição criminal, traziam o potencial praticamente certo de gerar um outro grave conflito interno, de consequências gravíssimas para a paz e a prosperidade nacional.
Daí o pedido do Líbano para a ONU para a criação de um tribunal especial, que o colocasse acima das disputas nacionais e regionais de ordem religiosa e política. A Resolução 1757 do Conselho de Segurança da ONU, de 30 de maio de 2007 criou então, por unanimidade, o TEL (Tribunal Especial para o Líbano).
O TEL, órgão colegiado, tem o mandato de apurar e punir os responsáveis pelos crimes já mencionados, de acordo com o Código Penal Libanês, e é formado tanto por juristas internacionais, em maioria, como por libaneses. O promotor público seria estrangeiro. O TEL começou a funcionar em 1º de março de 2009.
Pois bem, com pouco mais de um ano de trabalhos, o TEL já conseguiu aproximar-se dos fundamentos políticos dos crimes e da identificação dos responsáveis pelo massacre. Ameaçados, estes hoje exercem pressão para o fim das atividades do TEL e ameaçam abandonar o governo de coalizão nacional, que tem promovido a recuperação econômica do Líbano.
De fato, o Líbano passa hoje por fase de grande prosperidade. Sua economia cresce a 6,5%, a inflação está sob controle, a indústria de construção civil cresce enormemente com o apoio da diáspora libanesa, o turismo está vibrante, o setor financeiro recuperou-se e ocupa novamente posição internacional de destaque. Renasceu a esperança.
O progresso havido sob o governo de coalizão demonstra que é possível a conciliação nacional assim como a promoção do crescimento econômico e do desenvolvimento social do sofrido povo libanês. Seria trágico colocar tudo a perder na busca de uma tanto ilegal quanto insana posição de imunidade criminal.
No estado de Direito, estamos todos sujeitos ao império da Lei. É assim que se promove a democracia e se constroem os alicerces de um país viável, livre, justo e soberano. Esperamos que o partidarismo cego não venha por inviabilizar os anseios do povo libanês e de seus descendentes, mundo afora.
Advogado admitido no Brasil, Inglaterra e Gales e Portugal. Formou-se em direito pela PUC-SP em 1975. Árbitro do GATT (General Agreement on Tariffs and Trade) e da OMC (Organização Mundial do Comércio), e professor de direito do comércio internacional na pós-graduação da Universidade Cândido Mendes (RJ).