SÃO PAULO – O governo brasileiro desencadeou um novo procedimento contencioso com os Estados
Unidos da América (EUA) ao solicitar consultas no âmbito do Entendimento de Resolução de Disputas da OMC
(Organização Mundial do Comércio).
A questão diz respeito ao conjunto de programas de apoio doméstico e de subsídios agrícolas concedido
pelo governo daquele país aos seus produtores internos no período de 1999 a 2005, seguindo a liderança do
Canadá que, com semanas de antecedência, havia feito o mesmo.
O Itamaraty avaliou corretamente que, se tivesse ingressado como terceiro no contencioso do Canadá, não
teria os mesmos direitos de um litisconsórcio ativo, como reconhecido nos sistemas jurisdicionais
internacionais, já que o sistema de resolução de disputas da OMC é falho, dentre outras, também nesta
área.
O presente caso é o primeiro movido pelo Brasil contra os EUA no setor agrícola, desde aquele referente
aos escandalosos subsídios concedidos pelo governo deste último país aos seus produtores, que suplantam o
próprio valor de mercado do produto.
Na questão do algodão, prevaleceram os interesses brasileiros apenas figurativamente, já que a decisão
não foi acatada pelos EUA e deixou de ser implementada por este país . De fato, a maior falha do
mecanismo de resolução de disputas da OMC é a falta de eficácia das decisões proferidas pelo sistema.
Em realidade, as “decisões” do Órgão de Resolução de Disputas são tecnicamente apenas “recomendações”, e
portanto podem ser recusadas pelo Estado Membro que sucumbe nas questões apresentadas. Na eventualidade
dessa recusa, uma “compensação” pode ser acordada entre as partes para um setor diverso ou, na falta de
entendimento, uma “retaliação” pode ser autorizada pela OMC para outra área distinta.
Como se pode discernir com nítida clareza, o sistema carece de profundas modificações, como tive a
oportunidade de examinar em minha obra, “Arbitration in the WTO”, escrito sob a perspectiva dos países em
desenvolvimento e que se tornou um sucesso de vendas…na República Popular da China (sic).
No entanto, apesar de prejudicado pelas tanto inúmeras como grave falhas do sistema de resolução de
disputas da OMC, quando teve a oportunidade, no governo Fernando Henrique Cardoso, de triste memória, o
Itamaraty deixou lamentavelmente de buscar uma respectiva correção. Assim, pagamos hoje o preço dessa
injustificável omissão.
Dessa maneira, a medida adotada pelo governo brasileiro é certamente importante sob a perspectiva da
dinâmica das relações internacionais e por esclarecer à opinião pública internacional como os EUA burlam,
desrespeitam e solapam a ordem jurídica multilateral.
No entanto, do ponto de vista jurisdicional, não se pode esperar que uma decisão favorável tenha
eficácia. Assim, não podemos nos esquecer que uma das prioridades brasileiras para a ordem multilateral
do comércio é a reforma completa do sistema de resolução de disputas da OMC.
Advogado admitido no Brasil, Inglaterra e Gales e Portugal. Formou-se em direito pela PUC-SP em 1975. Árbitro do GATT (General Agreement on Tariffs and Trade) e da OMC (Organização Mundial do Comércio), e professor de direito do comércio internacional na pós-graduação da Universidade Cândido Mendes (RJ).