São Paulo – Ao contrário do Brasil, e semelhantemente ao que fez o Chile e a China, o México começou por reformar sua economia e por estabelecer laços comerciais internacionais antes de fazer sua reforma política interna. No Brasil, o processo foi inverso, o que trouxe um ônus maior às transformações tomando lugar em nosso país, já que as modificações estruturais políticas são, sabidamente, mais complexas do que as econômicas. Imagine-se, bem assim, como seriam as transformações econômicas havidas na China dentro do sistema político brasileiro.
Pois bem, em eleições realizadas em 2 de julho próximo passado, o povo mexicano elegeu o líder conservador Felipe Calderón, do Partido Ação Nacional, com uma maioria ínfima de 244 mil votos, ou menos de meio por cento do colégio eleitoral de 41 milhões de inscritos. A pequena minoria, mais a larga tradição mexicana de fraudes eleitorais, deu credibilidade à denúncia do candidato derrotado, o socialista Andrés Manuel Lopes Obrador, do Partido da Revolução Democrática, bem como ao seu pedido de recontagem de votos.
O Tribunal Eleitoral do Poder Judiciário da Federação (Trife) procedeu ao exame da questão, recontando votos de 9 % das urnas, constatando a existência de fraudes e diminuindo a maioria do candidato Calderón em 4.183 votos, assim erodindo a sua já insignificante maioria. Permanece no ar a questão de se, recontados todos os votos, qual seria o resultado.
Mais ainda, questiona-se o papel do atual presidente, Vicente Fox, na campanha eleitoral, bem como do uso da máquina estatal em favor do candidato conservador. O Trife deverá pronunciar-se a respeito das questões remanescentes neste início de setembro de 2006, temendo-se pelo resultado, qualquer que seja a decisão, devido à pouca tradição de independência do tribunal e ao histórico político do México, caracterizado pelo clientelismo e por fraudes.
Como natural nas circunstâncias, o candidato socialista recusa-se a aceitar o resultado já anunciado e levou o povo às ruas do país, em protestos, o que tem causado perdas econômicas e insegurança institucional. Mais ainda, o sr. Obrador ameaça com a criação de um governo paralelo, caso seja confirmada sua derrota pelo Trife, o que irá ainda mais aumentar a instabilidade política do país. Enquanto isso, forças conservadoras nos EUA e na Europa, mobilizam-se em apoio ao sr. Calderón.
De qualquer maneira, irrespectivamente da decisão judicial, podemos afirmar que o México já saiu perdedor na questão, já que o incidente demonstra uma imaturidade de suas instituições. De mais a mais, o sofrido povo mexicano, vítima dos tratados econômicos desiguais assinados por governos incompetentes, da miséria e da injustiça social, continuará frustrado e levará este sentimento para um acerto futuro de contas.
Advogado admitido no Brasil, Inglaterra e Gales e Portugal. Formou-se em direito pela PUC-SP em 1975. Árbitro do GATT (General Agreement on Tariffs and Trade) e da OMC (Organização Mundial do Comércio), e professor de direito do comércio internacional na pós-graduação da Universidade Cândido Mendes (RJ).