“Where there is sorrow there is holy ground” (Onde há a dor, lá o solo é sagrado) _ Oscar Wilde, De Profundis.

SÃO PAULO – Todas as noites, sai de Londres o vôo Varig RG 8753. Nele, diariamente, são reservados 20 assentos pelas autoridades britânicas para os deportados brasileiros. Quase sempre, as reservas são preenchidas por aqueles nossos compatriotas que buscaram no Reino Unido uma oportunidade para a prestação de serviços, normalmente humildes e pouco qualificados, e que foram presos pelo serviço de imigração daquele país, por infringirem as normas de estadia.

É um vôo com atmosfera fúnebre, sombria e aziaga! Nele, o silêncio solidário dos demais passageiros é freqüentemente violado pelo choro, tanto dignificado quanto incontido, daqueles trabalhadores honestos e ordeiros que, com os míseros empregos obtidos, sustentavam suas famílias no Brasil.

É também o vôo dos deserdados do Gats. O Gats, como sabemos pela leitura de meu artigo“O acordo comercial entre o Mercosul e a União Européia e o setor de serviços”, é o acordo geral sobre comércio em serviços, um tratado internacional de 1994 no âmbito da Rodada Uruguai. Para constranger os países em desenvolvimento a aceitá-lo, os países desenvolvidos promoveram a maior campanha de desestabilização internacional já verificada, contra os países em desenvolvimento, utilizando para tanto inclusive organismos multilaterais.

O Gats foi formatado pelos países desenvolvidos para promover as vendas internacionais de seus setores de serviços. Esse objetivo foi alcançado com tamanho sucesso que os países do chamado Quad (Canadá, Estados Unidos da América, Japão e União Européia) têm hoje mais de 70% do comércio internacional de serviços. Mais ainda, seu domínio do mercado é de tal maneira crescente que brevemente os países em desenvolvimento serão alijados totalmente do segmento.

Essa monstruosa fraude foi perpetrada sob a especiosa retórica da liberalização internacional do comércio em serviços. Todavia, na realidade, o que ocorreu é que a liberalização deu-se apenas nas áreas de serviços de interesse dos países desenvolvidos. Os países em desenvolvimento, pela natural assimetria econômica com os países desenvolvidos, têm maior competitividade no segmento dos serviços pessoais, cobertos pela chamada modalidade 4 do Gats: o movimento de pessoas físicas prestadoras de serviços.

Essa categoria não foi liberalizada pelo Gats. Assim, enquanto os prestadores de serviços dos países desenvolvidos, pessoas jurídicas, têm acesso aos mercados dos países em desenvolvimento e atividades largamente lucrativas, os nossos prestadores de serviços são presos, humilhados e desgraçadamente deportados nos vôos da danação, que não saem somente do Reino Unido.

Presentemente, no âmbito da Rodada Doha da OMC, discute-se a questão do aperfeiçoamento do Gats. A agenda dos países do Quad é clara: obter o maior número de concessões adicionais dos países desenvolvidos e, ao mesmo tempo, manter os seus mercados fechados, por meio de barreiras horizontais e, principalmente, de recusar o acesso a mercado pela modalidade 4.

Recomendo aos negociadores brasileiros empenhados nas negociações internacionais de serviços em curso, não somente no âmbito do Gats, mas também naquelas com a União Européia e da Alca (Área de Livre Comércio das Américas), um estágio de assistência aos nossos compatriotas deportados no vôo da danação, para a inspiração de saber onde reside o interesse nacional.