Considerando que estou no momento trabalhando em nosso escritório de Londres, solicitei a uma de minhas sócias que lesse a presente declaração a V. Exa., a qual preparei na qualidade de sócio sênior de Noronha Advogados, único escritório de advocacia brasileiro baseado no Reino Unido. Ademais, sou solicitor devidamente acreditado na Law Society of England and Wales e membro do respectivo Comitê de Assuntos Internacionais.
É fato que a liberalização da profissão jurídica pode contribuir imensamente para a formação de centros de prestação de serviços o que sem dúvidas traria grande prosperidade, não obstante este não é o elemento determinante do sucesso. Outros aspectos institucionais são também muito importantes, como estabilidade política e econômica, competitividade institucional e acesso aos mercados internacionais.
Isso se aplica, em geral, a todos os países, mas particularmente aos países em desenvolvimento, como o Brasil. Nesses casos, o desequilíbrio no tratamento jurídico pode não somente prejudicar o desenvolvimento da profissão jurídica, como também por em risco o acesso à justiça e mesmo o estado de direito em tais jurisdições.
O problema da liberalização da profissão jurídica foi objeto do Acordo Geral sobre o Comércio de Serviços (GATS) de 1994. Deve-se notar que o Reino Unido foi representado na Rodada Uruguai pela União Européia (UE). Nesse sentido, concessões foram feitas pela UE aos seus parceiros comerciais e vice-versa. Enquanto a jurisdição da Inglaterra e do País de Gales é relativamente liberal, a jurisdição dos demais membros da UE é muito restritiva, em relação ao acesso de terceiros países, em especial países em desenvolvimento.
Se um país em desenvolvimento, como o Brasil liberalizar o acesso a seu mercado jurídico interno, será obrigado, pela cláusula da nação mais favorecida do GATT 1947, a liberalizar o acesso todos os demais 148 estados membros da Organização Mundial do Comércio (OMC). No entanto, a análise das concessões feitas na OMC pelos maiores atores do comércio internacional revela que o acesso aos seus mercados jurídicos ainda é utopia. Isso é válido também para países os Estados Unidos da América (EUA), EU, Japão, Canadá e Suíça.
Foi relatado, repetidas vezes, no Comitê de Assuntos Internacionais da Law Society of England and Wales que, como dever de boa-fé, derivado de diversos tratados internacionais, incluindo os originários da Rodada Uruguai, sempre que um país desenvolvido apresentar uma proposta a um país em desenvolvimento, tal proposta deve ser transparente em relação às implicações geradas pela oferta. No vosso caso, tal dever não será cumprido, caso não sejam apresentados os fatos reais atinentes à natureza restritiva no acesso aos mercados jurídicos de outros países da UE e dos países em desenvolvimento em geral.
Além disso, a questão das barreiras horizontais ao comércio em vigor na UE, e também no Reino Unido deveriam ser abordadas. É virtualmente impossível para um advogado brasileiro, como tal, ter acesso aos mercados da UE, tendo em vista as restrições uniformes em relação à imigração, mesmo que, tecnicamente, o acesso ao mercado jurídico seja permitido no Reino Unido. Este é um problema que nós, como escritório de advocacia, observamos no Reino Unido e em Portugal, sendo que temos sedes regionais em tais países há 17 anos. Por esta razão, todos os profissionais que temos em nossos escritórios em tais jurisdições têm passaportes da UE.
Em relação à liberalização de serviços no Reino Unido, devo dizer que é um problema muito preocupante devido às possíveis implicações das mudanças propostas na Revisão Clementi. Isso porque, a determinação de controle externo e supervisão da profissão jurídica, contrariariam o direito internacional e renegariam diversos compromissos internacionais.
Essa situação faria com que os escritórios de advocacia de países em desenvolvimento se tornassem inaptos a competir, em seus próprios mercados, com os supercapitalizados escritórios de advocacia públicos da Inglaterra, os quais operam em supermercados. Isso também significaria o fim dos sonhos de internacionalização dos escritórios de advocacia dos países em desenvolvimento. Com relação à legalidade da Revisão Clementi no direito internacional, eu preparei um relatório para o Comitê de Assuntos Internacionais da Law Society of England and Wales, cuja cópia gostaria de entregar a V. Sas.
Muito obrigada.
Advogado admitido no Brasil, Inglaterra e Gales e Portugal. Formou-se em direito pela PUC-SP em 1975. Árbitro do GATT (General Agreement on Tariffs and Trade) e da OMC (Organização Mundial do Comércio), e professor de direito do comércio internacional na pós-graduação da Universidade Cândido Mendes (RJ).